Esquenta o clima

3 de novembro de 2008 - 11:42

Novo presidente dos EUA terá que enfrentar o aquecimento global

Roberta Jansen escreve para “O Globo”:

O próximo presidente dos EUA terá a espinhosa missão de lidar — pela primeira vez de forma concreta — com um assunto estrategicamente deixado de lado pelo governo americano desde que começou a ser debatido com seriedade no cenário político internacional: o aquecimento do planeta e as medidas a serem adotadas para reduzir seus efeitos.

O desafio é conciliar a economia baseada na queima de combustível fóssil com o futuro ambiental do planeta. Mais difícil ainda, em meio a uma crise financeira mundial.

Bill Clinton assinou o Protocolo de Kioto no fim do seu governo, mas deixou o pepino de ratificar o acordo internacional de redução de emissões de gases-estufa para seu sucessor, George W. Bush. A nação mais poluidora do mundo se recusou a ratificar o tratado.

Mas as pressões para uma tomada de posição aumentaram nos últimos anos — com pilhas de estudos apontando, cada vez mais de forma inequívoca, os efeitos nocivos da postura de inação. A Europa tomou a liderança no debate e assumiu compromissos ambiciosos de redução.

Dificilmente, o próximo presidente conseguirá se eximir, sobretudo porque a questão climática hoje perpassa itens cruciais da agenda governamental para os próximos anos, como o preço do petróleo, a segurança energética e a energia nuclear.

Obama tem meta ambiciosa

Mas as posições dos dois candidatos à Presidência são divergentes. Se Barack Obama vencer, prevalecerá a visão de ratificar acordos internacionais e estabelecer metas mais ambiciosas de redução de emissões de CO2. Embora engajado no debate climático como senador (ele elaborou a legislação climática para o governo Bush nunca aprovada), o John McCain presidente rezaria pela cartilha republicana, dando mais ênfase ao desenvolvimento de novas tecnologias capazes de fazer frente ao problema.

Obama quer reduzir as emissões de gases estufa aos níveis de 1990 até 2020 e até 80% abaixo disso em 2050. O candidato democrata defende o estabelecimento de um limite bem rígido de emissões totais de gases-estufa e ainda o uso de créditos de carbono — em que o direito de emitir poderia ser negociado, num esquema parecido com o europeu, mas com certos limites e devidamente auditado.

McCain é um pouco mais modesto. Como Obama, ele quer reduzir as emissões aos níveis de 1990 até 2020. Mas, até 2050, a meta é ficar 60% abaixo desses níveis. Ele também defende um sistema de créditos negociáveis. Vale lembrar que a última recomendação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU é de redução de 80% das emissões até 2015.

O candidato republicano acha que os EUA só devem ratificar acordos internacionais quando China e Índia também os assinarem. Sem isso, afirma, o país não deve se sentir na obrigação de agir. Obama pensa diferente, e defende a idéia de que os EUA devem retomar as negociações internacionais, independentemente de China e Índia.

Para o candidato democrata, o desafio mais imediato é conseguir um consenso no Congresso para estipular um limite nacional de emissões e fazer com que o país se engaje como líder nas negociações pós-Kioto.

Numa outra frente de ação, Obama pretende investir US$ 150 bilhões ao longo de dez anos no desenvolvimento de energias renováveis. A estratégia de McCain é diferente: ele quer fomentar um mercado de novas tecnologias a partir dos créditos de carbono. E pretende também dar incentivos fiscais para a produção e o consumo limpos.

Solução nuclear é defendida

A ampliação significativa do uso da energia nuclear está presente no programa de ambos os candidatos. Como disse Obama em entrevista à revista “Nature”, “seria muito difícil reduzir drasticamente as emissões de gases-estufa sem o uso da energia nuclear.” McCain é bem mais direto na defesa da energia nuclear. Para ele, parte significativa da energia americana deverá ser gerada assim. Ele já anunciou que, se for eleito, pretende investir na construção de nada menos que 45 novas usinas nucleares até 2030, podendo chegar a 100.

O Que Cada Um Defende

Célula-tronco

Obama: Defende a ampliação das pesquisas. Apóia o financiamento federal para estudos com células-tronco embrionárias humanas, frisando que a maioria dos cientistas os descreve como ferramentas essenciais para a pesquisa sobre diversas doenças.

McCain: Já manifestou apoio às pesquisas, mas agora, acredita que, em breve, elas serão desnecessárias. Apoiou o financiamento federal para estudos com células-tronco embrionárias. Posteriormente, sugeriu que outros tipos de células-tronco podem tornar o uso das embrionárias desnecessário.

Corrida Espacial

Obama: Apóia a exploração espacial. Defende um “robusto e balanceado” programa de exploração humana e robótica do espaço como uma ferramenta importante para lidar com desafios globais, como as mudanças climáticas.

McCain: Apóia a exploração espacial. Defende a exploração como um componente importante de segurança nacional e desenvolvimento econômico, e os vôos tripulados como um “reflexo do poder e do orgulho nacionais”.

Investimento em Pesquisa

Obama: Quer encorajar a pesquisa básica com financiamento federal. Quer transformar os impostos de pesquisas federais e de desenvolvimento em créditos permanentes para financiar a lei que fortalece a pesquisa, a educação e outros motores da inovação. Quer dobrar os investimentos em pesquisa básica ao longo dos próximos dez anos, criar uma rede pública e privada de incubadoras de negócios e estabelecer um fundo para o desenvolvimento de tecnologia industrial de ponta.

McCain: Sustenta que a flexibilização da legislação e a redução dos impostos vai encorajar a pesquisa privada. Propõe o congelamento dos gastos. Também defende a transformação dos impostos para pesquisas federais e desenvolvimento em créditos permanentes para o financiamento da lei de pesquisa, educação e inovação, mas defende o congelamento dos gastos em pesquisa por pelo menos um ano. Pretende encorajar o investimento em pesquisa por meio de incentivos fiscais e flexibilização das leis. Propõe um prêmio de US$ 300 milhões para inovação tecnológica.

Evolução

Obama: Acredita na evolução; acha que o design inteligente não deveria ser ensinado nas escolas. “Eu acredito na evolução. Não acho que seja incompatível com a fé cristã, da mesma forma que não acho que a ciência em geral seja incompatível com a fé cristã. Há quem diga que, se você tem uma mente científica, de alguma forma deveria rejeitar a religião. Eu discordo fundamentalmente disso. Na verdade, quanto mais aprendo sobre o mundo, quanto mais eu sei sobre ciência, mais impressionado eu fico com os mistérios deste planeta e do Universo. E isso fortalece a minha fé em vez de enfraquecê-la.” “Design inteligente (visão creacionista) não é ciência. Devemos ensinar nossas crianças teologia para fazê-las pensar sobre o sentido da vida. Mas isso é separado do ensino de átomos e fótons.”

McCain: Acredita na evolução, mas acha que as escolas devem decidir se devem ou não ensinar outras idéias. “Eu acredito na evolução. Mas, quando eu caminho pelo Gran Canyon e o contemplo ao pôr-do-sol, eu também acredito que a mão de Deus está lá.” “Acho que isso deve ser decidido pelas escolas. Mas acho que todos os americanos deveriam ser expostos a todas as teorias… Não há dúvidas, na minha mente, de que a mão de Deus está em tudo o que somos hoje. E eu acredito que somos únicos, e acredito que Deus nos ama. Também acredito que todas as crianças nas escolas podem ser apresentadas a diferentes visões de diferentes assuntos. Deixo o currículo para os conselhos das escolas.”
(O Globo, 30/10)

Fonte: Jornal da Ciência 3631, 30 de outubro de 2008.