Rede de paleontologia está parada
8 de outubro de 2008 - 11:41
Instituição em Minas Gerais, que custou R$ 6,1 milhões aos cofres públicos, é questionada por cientistas da área
Eduardo Kattah escreve para “O Estado de SP”:
Quase um ano depois de inaugurada, a Rede Nacional de Pesquisas Científicas em Paleontologia, no distrito de Peirópolis, em Uberaba (MG), continua uma instituição inativa. Fundamentada na integração dos cientistas por meio de um sistema de videoconferências online, a rede foi instituída com verba pública de R$ 6,16 milhões e é vista com reserva pela Sociedade Brasileira de Paleontologia (SBP), que questiona sua necessidade.
O projeto é vinculado à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Sectes) de Minas Gerais. Enquanto tenta vencer a resistência de boa parte das principais instituições da área, a Sectes firmou em abril acordo para a criação de um conselho gestor da rede, do qual participarão representantes da própria secretaria, da prefeitura de Uberaba e da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
No fim de novembro de 2007, o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, esteve em Uberaba para inaugurar a rede, mas dez meses depois ainda não há data definida para o início de suas atividades. A edificação foi erguida ao lado do Museu dos Dinossauros e do Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price, instituição reconhecida no meio e envolvida em importantes descobertas recentes.
Peirópolis está localizado em uma das regiões mais importantes para a paleontologia nacional, com significativo acervo fossilífero de dinossauros e outras espécies que habitavam a região há dezenas de milhões de anos. Ainda assim, o centro e o museu foram obrigados a fechar as portas em janeiro por falta de recursos. Atualmente, as instituições sobrevivem, basicamente, de doações e consultorias prestadas pelo coordenador-geral, Luiz Carlos Borges Ribeiro.
A prefeitura de Uberaba comprometeu-se a assumir os gastos da rede com pessoal, água, luz e telefone da sede, além de arcar com os custos da manutenção dos veículos. Já a secretaria estadual deverá viabilizar o financiamento de pesquisas e a aquisição de equipamentos para as instituições associadas.
Segundo Sílvio dos Santos Vasconcelos, assessor do subsecretário de Ensino Superior, Otávio Elísio, a pasta aguarda a liberação de R$ 3 milhões provenientes de convênio firmado entre o governo do Estado e o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) para a complementação de obras na sede da rede e na execução de programas de pesquisa.
Os recursos – bem como os R$ 6,1 milhões iniciais – foram captados por meio de emendas parlamentares apresentadas pelo deputado federal Nárcio Rodrigues (PSDB-MG). O orçamento da instituição para 2008 prevê um total de R$ 3,4 milhões, incluindo R$ 400 mil referentes a um projeto aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).
Atualmente, segundo a Sectes, nove instituições – cinco delas na região Nordeste – já fazem parte da rede e outras quatro estão em fase final de associação. Vasconcelos afirma que a expectativa é de que o projeto “entre em funcionamento a partir do quarto trimestre deste ano”.
Centro de referência não participa
Apesar do amplo reconhecimento nacional, o Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price não foi envolvido no projeto da Rede Nacional de Pesquisas Científicas em Paleontologia. “Não tem nenhuma atividade em funcionamento, pelo menos conosco não”, disse o coordenador-geral, Luiz Carlos Borges Ribeiro. Ele admite contribuir com o projeto, desde que envolva “produção acadêmica”.
Na semana passada, Ribeiro participou da apresentação da réplica do maior dinossauro brasileiro já descoberto, exposta na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O animal foi batizado Uberabatitan riberoi, em homenagem à cidade do Triângulo Mineiro e ao pesquisador. O museu é mantido pela prefeitura de Uberaba, a UFRJ e uma empresa local. “Não aceitei desistir da causa e a exposição desse dinossauro mostrou que já valeu a pena.”
Pesquisador cobra clareza no projeto
O que mais intriga representantes da comunidade paleontológica nacional é a falta de clareza em relação à contribuição científica da Rede Nacional de Pesquisas Científicas em Paleontologia. Tal missão, a princípio, foi delegada à Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), que, no entanto, não possui paleontólogo profissional nem curso de paleontologia.
“A situação, eu diria, é quase surreal”, diz o presidente da Sociedade Brasileira de Paleontologia (SBP), João Coimbra. “Essa rede é uma falácia, é uma brincadeira de mau gosto. Eu me perguntaria: Para que uma rede nacional de paleontologia?”
Na época do lançamento da instituição, em 2004, a SBP, em seu informativo, classificou como “preocupante” e um “absurdo” o fato de uma secretaria estadual coordenar a pesquisa em paleontologia no País. A entidade também enviou carta ao então ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, na qual apontou uma “série de aspectos pouco claros na estruturação da rede”, e pediu que as características do projeto fossem revistas.
A SBP, segundo Coimbra, possui quase 500 sócios, entre profissionais, mestres e doutores. A maior parte dos profissionais – cerca de 50% – está concentrada no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.
“Temos de vencer algumas resistências. Essa área científica é muito problemática”, diz Sílvio dos Santos Vasconcelos, da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais.
Ex-coordenador da rede, o presidente da ONG Associação dos Amigos do Sítio Paleontológico de Peirópolis, Beethoven Teixeira, admite que a exclusão dos pesquisadores representou uma “falha muito grande” no início do projeto. “Agora vamos para a fase mais complicada, fazer funcionar todo esse dinheiro que foi gasto e prestar contas à sociedade.”
Propostas
O projeto cita como finalidade da nova instituição o “incremento da interação e cooperação” entre as equipes de profissionais, “promovendo o debate e entrelace de informações, bem como a difusão do conhecimento científico desta matéria”.
De forma genérica, afirma ainda que “se propõe a criar um Plano Diretor para a área e estabelecer planejamento estratégico para apoiar, auferir e propiciar a captação dos recursos para as pesquisas”. E propõe ações nas áreas de proteção do patrimônio paleontológico, preservação ambiental, promoção turística, escavações e exploração científica.
A UFTM disse que a participação da universidade na gestão da rede poderá favorecer a abertura de um curso de graduação na área. O Ministério da Ciência e Tecnologia não respondeu aos pedidos de informação.
(O Estado de SP, 29/9)
Fonte: Jornal da Ciência 3608, 29 de setembro de 2008