Política de boa vizinhança

17 de setembro de 2008 - 09:53

Experiências educacionais nas comunidades próximas das empresas acabam incorporadas a políticas públicas
Cesar Valente escreve para o “Valor Econômico”:

As empresas que já incorporaram às suas estratégias a sustentabilidade também já perceberam que devem ter uma participação mais ativa na vida das comunidades em que estão instaladas. Aquele papel de “bom vizinho” que antigamente era exercido eventualmente, com um sentido apenas filantrópico ou para atender alguma demanda específica, agora é uma parte indivisível dos investimentos sociais.

Algumas companhias, como a Perdigão, nasceram em pequenas localidades e foram, durante muito tempo, os principais agentes econômicos regionais. A comunidade em seu entorno era composta, em boa parte, por seus trabalhadores e pelos “integrados”, pequenos criadores de aves e suínos. O crescimento da cidade ao redor era, em geral, conseqüência do crescimento da empresa.

O diretor de relações institucionais da Perdigão, Ricardo Menezes, diz que “muito antes de se falar em responsabilidade social, a empresa transferia à comunidade a preocupação com melhorias e modernização, suprindo a carência de investimento e atenção dos órgãos públicos no tratamento da água, na preservação do ambiente”.

Com o tempo, as empresas diversificaram as atividades e se espalharam por várias cidades. Com a evolução da responsabilidade social empresarial, a preocupação com os entornos está sendo intensificada e cada vez mais organizada.

A própria Perdigão, desde meados dos anos 90, promove ações com o objetivo de contribuir com seus vizinhos próximos. São projetos que vão desde o estímulo ao voluntariado e à cidadania de seus funcionários, fornecedores e parceiros, até a interiorização da cultura, levando às cidades onde está instalada, geralmente longe de grandes centros, mostras de artes plásticas e cinema, por exemplo.

Um dos projetos mais importantes é uma escola de agronegócios na região de Videira (SC), que ajuda as famílias de agricultores a manter seus filhos na região, evitando que tenham que sair de casa para estudar.

Além de fixar o jovem no campo, o curso contribui para que o negócio familiar ganhe uma administração mais eficiente, com diversificação das atividades e conseqüente agregação de valor às propriedades. A escola do projeto Semear já está na sua terceira turma, atendendo 40 jovens de cada vez.

A Basf chegou a Guaratinguetá (SP) em 1956, quando iniciou a construção da primeira fábrica de um centro industrial que hoje é o maior complexo químico da América do Sul. A presença da empresa teve impacto na melhoria da infra-estrutura urbana, mas a comunidade, ainda que economicamente dependente daquele grande vizinho, não compreendia direito o que acontecia dentro da fábrica ou mesmo o que ela produzia.

Para aproximar-se da comunidade, a empresa iniciou, em 2005, o projeto Sementes do Amanhã, que inseriu a educação ambiental no currículo das escolas municipais. E, desde 2006, o projeto ReAção, que capacita professores da rede pública municipal para o ensino de ciências.

“Esse programa reforça a crença da companhia de que o conhecimento é necessário para se ter uma sociedade qualificada, justa e capacitada para promover o desenvolvimento local integrado e sustentado”, explica Odilon Ern, diretor do Complexo Químico da Basf em Guaratinguetá e membro do Comitê de Sustentabilidade.

A Secretária de Educação de Guaratinguetá, Gilda Cortez Pereira, diz que “as crianças e adolescentes, ao internalizar os conceitos do que é a ciência e o meio ambiente, ficam mais críticos, mais curiosos, querem saber o porquê e isso é muito importante”. O município adequou a matriz curricular aos programas, de forma a torná-los permanentes.

Em Hortolândia (SP), a IBM mantém o seu segundo maior centro de tecnologia e tem atuado na região de influência (que abrange sete municípios) para colaborar com a educação pública. Desde 2002, por exemplo, fornece o software KidSmart para pré-escolas municipais. Já capacitou 136 professores para uso do programa, que ajuda a desenvolver raciocínio, a lógica e a matemática, entre outras habilidades. Incorporado ao currículo da prefeitura, já beneficiou cerca de 18 mil alunos de 3 a 7 anos.

Ruth Harada, diretora de cidadania corporativa da IBM Brasil, conta que uma das primeiras intervenções foi na Biblioteca Pública de Hortolândia, que recebeu soluções IBM em ciência e tecnologia, além de ampliação física, tornando-se uma das atrações da cidade, especialmente para os estudantes da rede pública.

Em Nova Lima (MG), onde a IBM instala um outro grande centro de tecnologia, as experiências de aproximação com a comunidade concretizadas em Hortolândia serão repetidas e ampliadas.

O Instituto Instituto Camargo Corrêa (ICC), do Grupo Camargo Corrêa, também utiliza a educação como uma das ferramentas em suas ações no entorno das unidades. O ICC apóia “ações sociais que envolvam as lideranças locais, valorizem as organizações sociais da região e estejam alinhadas a políticas públicas”, afirma o diretor executivo do ICC, Francisco Azevedo. Para ele, esse investimento é estratégico e agrega valor ao negócio.

O ponto de partida, em cada município onde o ICC atua, é a formação de um Comitê de Desenvolvimento Comunitário (CDC) que terá papel fundamental no diagnóstico e na definição de prioridades. A ação com a comunidade é desenvolvida a partir de três programas.

O Infância Ideal é voltado para o desenvolvimento de crianças de 0 a 6 anos, procura contribuir para a melhoria do IDI (Índice de Desenvolvimento Infantil), criado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Atinge cinco municípios de quatro Estados; O Escola Ideal, de apoio às escolas públicas, em parceria com o Instituto Alpargatas, visa a qualidade da gestão de escolas públicas.

Envolve 390 escolas municipais de sete cidades da Paraíba, mais de 2 mil professores e 55 mil alunos; e o Futuro Ideal, de estímulo à geração de trabalho e renda e o empreendedorismo em adolescentes e jovens. Está sendo desenvolvido em 15 municípios de vários Estados e vai beneficiar cerca de 700 jovens até o final deste ano.

O grande desafio, segundo Azevedo, ainda é “medir o retorno desses investimentos para o negócio, porque é muito difícil medir a transformação social obtida”.

A São Paulo Alpargatas fundou, em 2003, o seu “braço de responsabilidade social corporativa”, o Instituto Alpargatas para promover a melhoria das políticas públicas de educação nos municípios onde tem plantas operacionais, usando o esporte como catalisador.

Sempre em parceria com o poder público, já beneficiou mais de 72 mil crianças e jovens de 7 a 17 anos em onze cidades de três Estados no Nordeste. E o instituto menciona, com orgulho, que já conseguiu melhorar o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de uma das cidades onde atua.

A Sadia, cuja origem é semelhante à da Perdigão, numa pequena cidade que se desenvolveu ao redor e no ritmo da empresa, criou em 2004 o Instituto Sadia, justamente para desenvolver e acompanhar iniciativas que procuram melhorar a qualidade de vida das comunidades próximas.

Uma boa amostra dessa preocupação é a preparação que está sendo feita em Lucas do Rio Verde (MT), onde a empresa implanta uma nova unidade. Os processos tecnológicos avançados que pretende utilizar na fábrica serão acompanhados por uma extensa e intensa preparação da comunidade. Os projetos prevêem diagnósticos socioambientais detalhados, para que todos os problemas sejam enfrentados e corrigidos.

Uma das ações vai tratar de regularizar os vários aspectos das propriedades rurais, para compatibilizar o desenvolvimento agropecuário e agroindustrial com a conservação ambiental da região.

A presença da Ambev no município de Maués (AM) (conhecida como “a terra do guaraná”), iniciada na década de 40 pela Antarctica, teve um incremento a partir de 1973, quando, em conjunto com a Embrapa foram introduzidas inovações no manejo dos guaranazais, procurando substituir o extrativismo pelo cultivo racional. Em 2003 foi firmado um convênio com o governo do Amazonas, que vai injetar, até 2013, cerca de R$ 63 milhões na região, em programas de melhoria de renda e produtividade.

Um dos projetos instalou 12 pólos agrícolas, com um técnico agrícola em cada um deles, para fornecer orientação, tecnologia e insumos aos moradores, para que mantenham diferentes culturas e criem pequenos animais, que lhes permitam ter alguma renda ao longo do ano.

No mesmo sentido, a Ambev já financiou 1,3 mil casas populares na zona rural, onde também investe na infra-estrutura de saúde. As famílias de produtores espalham-se por uma área amazônica de 44 mil km2, onde a principal via de comunicação é a fluvial.

A Alcoa participa de um programa, o Vínculos Pernambuco, em parceria com a Philips e a Gerdau, cujo foco são os pequenos empresários dos municípios onde estão instaladas unidades dessas empresas. Segundo Michael Humpert, diretor de laminados da Alcoa, “o objetivo é capacitar os pequenos para que tenham condições de serem fornecedores de grandes empresas”.

Essa capacitação vai desde orientação gerencial, para atendimento aos clientes, até a inclusão na agenda de sustentabilidade. Com isso, os pequenos negócios ganham confiança, tornam-se mais rentáveis e adquirem melhores condições de contribuir para o desenvolvimento da sua comunidade.

Além da capacitação, as grandes empresas também estão fazendo negócios com esses fornecedores locais e isso já gerou cerca de R$ 21 milhões em transações, o que representa cerca de R$ 2,5 milhões em impostos para o governo estadual. O Vínculos Pernambuco atende 28 fornecedores cadastrados.
(Valor Econômico, 12/9)

Fonte: Jornal da Ciência 3597, 12 de setembro de 2008