Europeus buscam energia nas rochas

11 de setembro de 2008 - 10:07

Franceses e alemães extraem energia de reservas de água aquecida por rochas a 5 mil metros de profundidade
Andrei Netto escreve para “O Estado de SP”:

Pesquisadores franceses e alemães estão extraindo de forma experimental, nas florestas de Kutzenhausen, na Alsácia, uma nova fonte de energia limpa e renovável capaz de gerar eletricidade. A energia geotérmica de rochas profundas consiste na extração de calor de reservas de água, aquecidas a 200°C no subsolo – a 5 mil metros de profundidade -, para movimentar turbinas que produzirão energia elétrica.

O método é semelhante ao usado pela geotérmica vulcânica, mas mais abrangente, já que possibilitaria a geração de energia elétrica abundante, em tese, em qualquer lugar do planeta. A primeira central está instalada na região de Soultz-sous-Forêt, a 50 quilômetros de Estrasburgo, na fronteira entre a França e a Alemanha, e produz desde junho 1,5 megawatt de energia, um quarto de sua capacidade instalada.

Os 80 milhões investidos na fase experimental são financiados pela União Européia e pelos governos dos dois países. A estratégia da UE, com apoio da Agência Internacional de Energia, ganhou importância após o acordo de Kyoto, em 1997, com a meta de 20% de energia de fontes renováveis até 2020. A pesquisa de campo fica a cargo de engenheiros e geólogos da gigante de energia EDF e do Escritório de Pesquisas Geológicas e Mineiras (BRGM), ambos franceses, além de outros 13 laboratórios de pesquisa da Europa.

O trabalho dos engenheiros é criar gêiseres – fonte termal que lança ao ar, em erupções regulares, jatos de água em alta temperatura – artificiais, por meio de injeções de água em falhas geológicas de rochas aquecidas. Na Alsácia, essas perfurações – três no total, duas para injeção (cada uma com capacidade para 50 litros de água por segundo) e uma para erupção (com capacidade de 100 litros por segundo) – chegam a 5 mil metros de profundidade. Com isso, a água aquecida chega à superfície a 163°C, suficiente para alimentar as duas turbinas, cada uma com 25 megawatts.

Fonte limpa e renovável

O método garante produção de eletricidade de uma fonte limpa e renovável, já que as camadas rochosas do subsolo são reaquecidas pelos fluxos térmicos da Terra.

E as perspectivas são estimulantes, por duas razões: a tecnologia permite, ao mesmo tempo, escavar em profundidades cada vez maiores – cálculos indicam que a 40 quilômetros de profundidade será possível aquecer água a 1.000°C – e, com turbinas mais eficientes, extrair mais energia de baixas temperaturas. Há 18 anos, quando as primeiras pesquisas foram realizadas, era preciso aquecer água a 200°C para gerar energia, enquanto hoje o nível mínimo é de 130°C.

“Com a procura de investidores, verificada desde a inauguração da central, imagino que o sucesso comercial da energia geotérmica de rochas profundas já possa ser alcançado em 20 anos”, disse ao Estado o geólogo Albert Gender, coordenador científico do projeto. “Em curto e médio prazos, não teremos geração nos preços da energia nuclear, por exemplo. Mas em longo prazo será possível.”

Desde que foi acionada, a central alsaciana vem recebendo técnicos de vários países, dos EUA à Austrália. O problema é o custo. Na França, um quilowatt produzido em usinas nucleares é comprado pelo Estado por 0,08, enquanto em Soultz o quilowatt – a preços subsidiados – ainda custa 0,124. Hoje, seu preço real será 0,21, em razão da escala de produção, ainda pequena.

Brasil também estuda tecnologia

A prospecção de energia geotérmica em Soultz-sous-Forêt, na França, traz para os supersticiosos a expectativa do sucesso. Historiadores europeus apontam as florestas de Kutzenhausen, na Alsácia, como a mesma região em que teria acontecido, em 1813, a descoberta do petróleo em poços subterrâneos.

O suposto pioneirismo da Alsácia está registrado no Museu do Petróleo de Merckwiller. A versão contraria a narrativa clássica, de que a primeira extração moderna do “ouro negro”, como o óleo era chamado, teria sido realizada por Edwin Laurentine Drake, em 1859, nos Estados Unidos.

No Brasil já estão sendo feitas algumas experiências com energia geotérmica. A Petrobrás, por exemplo, tem usando o calor de poços de petróleo que estão secos para aquecer cerca de 500 mil metros cúbicos/dia de gás natural, no Rio Grande do Norte. Esse combustível é usado em outros poços produtores da empresa. O uso da nova tecnologia teria evitado a construção de gasoduto de quase US$ 50 milhões.

Geotérmica é apontada como a energia do futuro

Frente aos resultados estimulantes obtidos por experiências como a Central Geotérmica de Soultz-sous-Forêt, a revista britânica The Economist não hesitou em apontar a energia geotérmica, em um relatório publicado em junho, como uma das cinco fontes de energia do futuro. Embora o custo de exploração seja um problema, o maior entrave à viabilidade comercial é outro: geólogos e engenheiros ainda não sabem como dominar os terremotos, um de seus potenciais “efeitos colaterais”.

Nas experiências realizadas na Alsácia, o risco de micro-sismos revelou-se o maior empecilho técnico. O desafio é encontrar um meio de impedir que as injeções de água em baixa temperatura não causem rachaduras na camada de rochas aquecidas. O choque térmico, apontaram os testes no subsolo, podem provocar reacomodação e abalos sísmicos. A prova disso ocorreu em 2003, quando um terremoto de 2,9 graus na escala Richter foi sentido na região de Soultz-sous-Forêt.

“Há risco de que zonas geológicas estáveis enfrentem mudanças de sismicidade. Ainda não conseguimos responder a essa questão”, reconhece Philippe Duma, delegado do Conselho Europeu de Energia Geotérmica. Esse obstáculo é o desafio dos próximos anos. Em Soultz, a solução foi a “estimulação química”: injeção de ácido clorídrico, que reage nas rochas dissolvendo os carbonetos. Resta saber qual será o impacto a longo termo da solução.

Pelas respostas a essas questões, passa o sucesso da energia geotérmica de rochas profundas. Mercado futuro não será um problema. Em um mercado mundial em crescimento – com perspectiva de 100% de aumento até 2050 -, toda solução limpa e renovável é bem-vinda. Segundo estudo publicado há cinco anos pela revista Geothermics, a fonte poderia gerar apenas na Europa Ocidental, cerca de 900 mil gigawatts por ano, o equivalente a duas vezes o consumo da França.

Não à toa, empresas de todo o mundo voltam suas atenções para a aposta. Na França, a Électricité de Strasbourg já planeja explorar comercialmente a tecnologia. Até mesmo a gigante da informática Google, agora se interessa. Nesta semana, a Google.org, divisão filantrópica da empresa, anunciou investimentos de US$ 10,25 milhões em pesquisas nos Estados Unidos para estímulo à produção de energia a partir de sistemas geotérmicos.

Entenda

O que é energia geotérmica: É o calor que vem do centro da terra. Abaixo da crosta terrestre, há um manto composto por rochas líquidas a altas temperaturas, o magma. Nessas áreas, as correntes de água são esquentadas a temperaturas superior a 140 ºC

Como se produz a eletricidade: O funcionamento de uma usina geotérmica consiste em injetar água até uma camada profunda da crosta terrestre, fazendo o líquido voltar aquecido em velocidade suficiente para mover turbinas

Vantagens e desvantagens: Não é poluente, mas o custo ainda é muito elevado pela falta de escala.
(O Estado de SP, 1/9)

Fonte: Jornal da Ciência 3589, 02 de setembro de 2008.