Região serrana do Rio atrai companhias da área de TI

12 de agosto de 2008 - 11:30

Redução de custos e melhora da produtividade são estímulos

Salas envidraçadas mergulhadas no verde, com lareira para aquecer no inverno. No jardim, piscina para refrescar as idéias no verão. A proposta é criar ambiente inspirador para corações e mentes entregues à tecnologia. Num canto escondido de Correias, no município de Petrópolis, está IdeaValley.

Com quatro unidades espalhadas no campo gramado, sendo uma delas uma pousada, gente jovem, a maioria petropolitana e com formação em informática, trabalha, em turnos, dia e noite.

Atendem a contratos firmados com 21 jornais brasileiros e dois japoneses. Sergio Cabral Cavalcanti, um dos criadores da IdeaValley, informa que a equipe coloca na web a versão digital da edição do dia. O FlipSite, como é batizado o sistema, transfere inteirinho um jornal, revista ou livro, com a paginação original. O usuário vira as páginas com o mouse como se estivesse lendo da forma tradicional. Pode ampliar ou reduzir as partes que desejar.

Não muito longe dali, em Araras, está a Automatos, braço de desenvolvimento da Virtus. A Automatos resolveu tratar “a inovação de um jeito diferente”, diz André Fonseca, presidente da companhia fruto da união de sete empresas. Transferiu os 40 desenvolvedores e pesquisadores para a sede, em harmonia com a natureza, dos oásis dos cariocas nos finais de semana.

“Optamos por uma relação mais fluida entre lazer e trabalho. Saímos da movimentada rua da Assembléia, no centro do Rio. Em 12 meses tivemos um ganho sensível em produtividade e redução da rotatividade. Dobraremos a equipe em Araras”, diz Fonseca.

A IdeaValley procura estimular os recursos humanos locais. “Contratamos o máximo aqui mesmo, a maioria ainda estudantes para ajudar na formação” diz Juliana Laxe, responsável pela gestão da empresa. Ela morava no Rio e transferiu-se para a casa da família na serra.

Com faturamento de R$ 15 milhões em 2007, e 110 empregados, a IdeaValley tem um gosto especial pela educação. Está trabalhando no desenvolvimento de um software e no design de uma carteira escolar digital, em que o aluno em vez de caneta, livros e cadernos, interage com um display. Com os dedos, aciona textos e imagens alimentados por servidores com as informações definidas para o currículo escolar.

Não é por acaso que muito próximo dali está a Fazenda Marambaia, de Luiz Cezar Fernandes, onde mora o ex-banqueiro e empreendedor inveterado. Na fazenda, entre criação de cabras e de dezenas de cachorros da raça paulistinha, fica a Taho, que presta serviços de banda larga sem fio em quatro municípios fluminenses, inclusive Petrópolis.

Fernandes conheceu o quase homônimo do governador fluminense Sergio Cabral em um jantar de empresários em Nova York. Os dois sentaram-se lado a lado e, após uma hora de conversa, decidiram trabalhar juntos. Fernandes entrou com o dinheiro e o tino para negócios e Cabral com idéias e a formação em engenharia da computação.

Deu certo. Cabral e Fernandes estão juntos em vários negócios, inclusive o de inclusão digital da favela da Rocinha (RJ), criado em 2003 com o Viva Rio. O programa ganhou o prêmio de melhor projeto com tecnologia sem fio do mundo da Wireless Communications Alliance (WCA). A proposta acabou exportada para a Nigéria, onde Cabral morou dois anos instalando redes em comunidades carentes.

Há sete anos na região, a Marambaia Capital persegue vários projetos de tecnologia. Controla, também, a WiPlug, voltada para transmissão de dados via rede elétrica, e a Taho VoIP, com projetos de voz sobre IP. Desde o início, Fernandes exigiu de Cabral que as empresas fossem em Correias. Foi ele um dos que deram partida ao Movimento Petrópolis Tecnópolis, voltado para criação de um cinturão de empresas focadas em tecnologia na região.

Semana passada o Movimento promoveu o Festival de Tecnologia de Petrópolis, com a proposta de apresentar idéias, criar espaço para atualização e troca de informações com especialistas, além de promover shows de música digital, atraindo também a população local. O Palácio de Cristal, edificação que o Conde d’Eu mandou construir para presentear a princesa Isabel, foi aberto ao público. Havia atividades de princípios básicos da física, planetário inflável, jogos de computador.

Empresas como Petrobras, Shell, Michelin, Light, Furnas, entre outras estiveram presentes para falar sobre suas expectativas na área de tecnologia da informação. Johnny Chung Lee, da Carnegie Mellon University (EUA), especialista em interatividade e recentemente contratado pela Microsoft, mostrou o controle de imagens à distância na tela sem teclado ou mouse, apenas por de um sistema de controle da Nintendo. Tal qual Tom Cruise fez com uma luva no filme Minority Report, de 2002.

Logo depois da palestra de Lee, Sergio Cabral, da IdeaValley, apresentou um dispositivo semelhante controlado a distância por um simples led (diodo semicondutor). É a alta tecnologia em Petrópolis.

Petrópolis almeja ser pólo de desenvolvimento e pesquisa

É atenta à realidade que, Ana Hofmann, gerente-geral do Movimento Petrópolis Tecnópolis ajuda a perseguir a ambição de tornar a cidade serrana um centro de criação em alta tecnologia.

Ela lembra que não basta ao município ser aprazível, cercado de verde, com clima ameno e baixo índice de violência para conseguir realizar o sonho de se tornar um pólo, não tão ambicioso, mas nos moldes do americano Vale do Silício. Ela lembra que antes de mais nada é necessário estabelecer condições para conquistar empreendedores.

Criado em 1999, o movimento começou apostando na atração de centros de desenvolvimento e pesquisa de multinacionais. Não teve o sucesso que esperava. Até conseguiu apoio da IBM e tornou-se sede de um dos 20 centros de inovação da Microsoft espalhados pelo país.

Mas como diz Ana, a Petrópolis Tecnópolis precisou mudar de foco e apostou nas empresas brasileiras. Hoje são 72 delas, as maiores faturam na faixa dos R$ 15 milhões, mas a média oscila entre R$ 3 milhões e R$ 4 milhões por ano.

O tripé fixado por Ana para dar combustível ao movimento é baseado em três ações: desenvolvimento de infra-estrutura de telecomunicações, com R$ 5 milhões investidos em um anel de fibras ópticas; oferta de incentivos fiscais, com as empresas pagando menos ISS, trocando o imposto por serviços prestados à prefeitura; e formação de recursos humanos.

Ana, ex-executiva da Oracle, lembra que “não adianta imaginar que é possível criar um pólo sem que a região ofereça recursos humanos com boa formação”.

Petrópolis conta com uma unidade do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, com curso técnico de programação. Há ainda cursos de graduação na Universidade Católica de Petrópolis, Estácio de Sá, e de pós-graduação no Laboratório Nacional de Pesquisas Científicas e Tecnológicas (LNCC). O âncora do movimento é o LNCC, ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia. O centro, que transferiu-se do Rio para Petrópolis em 1998, tem cerca de 100 mestres e doutores.

Ana informa que, dos cerca de R$ 20 milhões que a Financiadora de Estudos e Pesquisas (Finep) liberou neste ano para apoio à projetos de inovação no Rio, R$ 13,9 milhões foram para Petrópolis.

E a maior parte dos projetos tem especialistas do LNCC envolvidos, como, por exemplo, um de robótica, que criou uma antena tipo parabólica, que gira buscando o sol para sistemas de energia solar. Outro, na área biomédica, é focado em pesquisas com célula-tronco. (Heloisa Magalhães)

(Valor Econômico, 11/8)

Feira de Petrópolis está na fase 1

É preciso inovar. É preciso qualificar. É preciso democratizar. É preciso brincar… Durante o Festival de Tecnologia de Petrópolis (FTP), que rolou entre segunda e sexta-feira, os participantes assemelhavam-se mais nos “é preciso” que soltavam ao tratar de tecnologia do que em suas áreas de interesse.

O evento foi uma “salada mista”: enquanto PHDs, executivos e políticos discutiam problemas estruturais da falta de inovação no País, crianças de uniforme arrepiavam seus cabelos na mostra de ciências e universitários de bermuda controlavam robôs para derrubar latas.

Com a pretensão de tornar-se a “Flip da tecnologia”, em referência à tradicional Festa Literária de Parati, a primeira edição do FTP não conseguiu mobilizar os cerca de 300 mil habitantes de Petrópolis. Os principais pontos turísticos tiveram programação cultural e tecnológica com show, teatro e filmes como o clássico russo O Encouraçado Potemkin, de 1925. Mesmo de graça, as sessões sofriam para ter metade da lotação.

“A primeira Flip também não mobilizou Parati. Eu estive lá”, argumenta a organizadora do FTP, Ana Hoffman. “Foi pouco o tempo para a divulgação.”

A programação principal, a de debates, também não lotou. Em alguns momentos, o auditório, de 400 lugares, tinha apenas 20 espectadores. A maioria das palestras era só para convidados que “decidem os rumos da tecnologia no País” e ocorreu na Faculdade de Medicina de Petrópolis. Era nessa hora que os “é preciso” rolavam soltos.

Logo na abertura o secretário-executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia, Luiz Antonio Rodrigues Elias, cobrou inovação das empresas nacionais: “O governo tem dinheiro para financiar projetos”, disse, referindo-se aos R$ 41,2 bilhões previstos para a área até 2010. “Mas é preciso que tenham ‘musculatura’. Por falta disso, 50% do que foi apresentado em 2007 não foi aprovado.”

As empresas, por sua vez, alegaram falta de mão de obra: “Sobram vagas. É preciso mais pessoas especializadas em tecnologia no Brasil”, opinou o gerente de tecnologia da BR Distribuidora, Nelson Cardoso. “Ter de trazer profissionais do exterior para treinar as equipes é muito dispendioso”, disse o gerente de tecnologia da Shell, Rômulo Barroso.

Os “é preciso” se multiplicavam nas 54 palestras. “É preciso investir em acessibilidade para deficientes na internet. Não por caridade, mas porque eles formam um público economicamente ativo, que fica mais tempo conectado e que pode dar lucros”, afirmou o presidente WorldTimes, Axel Leblois.

“É preciso dar oportunidade para os jovens mostrarem suas idéias”, disse a vice-presidente do Instituto de pesquisas Gartner, Ione Borges Coco. “É preciso acreditar nas suas idéias. Em tecnologia, uma boa história vende mais do que qualquer coisa”, disse americano Ben Kaufman, de 21 anos, empresário e milionário desde os 18.

Enquanto engravatados discutiam e discutiam, quem se divertia era a criançada. Instalada no Palácio de Cristal, uma construção em vidro de 1884, a mostra de ciências trazia bicicleta para gerar eletricidade, Van Der Graaf – aquela máquina que gera energia e arrepia os cabelos ao toque – e experimentos para ilusão de ótica. Cerca de 30 mil alunos compareceram.

“Gostei de arrepiar os cabelos. Tecnologia não é só videogame e internet. Também é ciência”, disse a aluna da 6ª série Emanuelle Guettnaueer, de 12 anos, que compreendeu o espírito da “salada mista” que foi o primeiro FPT. (Rodrigo Martins)
(O Estado de SP, 11/8)

Fonte: Jornal da Ciência nº 3573, 11 de agosto de 2008