Leituras orientadas: Metacrítica sobre o purismo da razão, de Hans Georg Hamann (2009.1)
2 de março de 2009 - 05:33
Leituras orientadas: Metacrítica sobre o purismo da razão, de Hans Georg Hamann
Código: LEO 013 Créditos: 30 h/a
Docente: Ilana Viana do Amaral
Semestre: 2009.1 Horário: 5ABCD Natureza: Teórica Classificação: Optativa
1 Proposta de curso
Com sua Metakritik über den Purismen der Vernunft H. G. Hamann dirige ao edifício teórico kantiano apresentado na primeira crítica uma objeção fundamental: o esforço de legitimação transcendental da experiência humana fundada na subjetividade enquanto instância a-priorística de unificação dos dados da experiência consistiria num expurgo e numa abolição ‘a-priori’ da materialidade e realidade da própria subjetividade humana, apresentada doravante como pura forma e assim separada de toda a experiência. Para Hamann, tal expurgo da materialidade da subjetividade tornaria sem sentido o próprio esforço de fundamentação da experiência na subjetividade presente na primeira crítica uma vez que, ao operar por meio de uma abstração absolutamente injustificável da razão humana, assim destituída de seus conteúdos reais, isto é, dos conteúdos lingüísticos e históricos apenas sob os quais o sentido da experiência é pensável como unidade, o empreendimento crítico aboliria de antemão a própria potência unificadora da razão humana para apenas restituí-la sob a forma de uma subjetividade destituída de corporeidade e verdade. Trata-se para Hamann de que a quebra da unidade histórico-linguística da experiência humana realizada pela abstração do ‘purismo kantiano” destrói a possibilidade real de restituição do sentido unitário desta mesma experiência, pois opera uma fratura que não é contornável senão pela reposição simplesmente formal – da qual é excluída a materialidade, a historicidade lingüística – da unidade entre experiência e sujeito. Esta via repõe o dualismo e a simples unidade formal, na qual o que é eliminado a-priori é o caráter compartilhado e histórico – e apenas assim unitário material e vivente – da constituição de sentido presente em toda a experiência humana. Visando criticamente o esforço transcendental na medida em que o concebe como esta fratura da experiência que destitui o sentido e o mundo em comum próprios à experiência histórica da linguagem, a crítica hamanniana ao formalismo kantiano é precursora de muitos esforços ulteriores de crítica ao dualismo transcendental. Em particular ela é precursora direta dos esforços desenvolvidos por Herder e Hegel de superação da cisão transcendental entre homem e mundo. Tematizando a experiência humana a partir de seu fundamento na linguagem, apresentada como “critério primeiro e único da razão”, Hamann pensa a linguagem como instância fundamental da produção unitária de sentido própria à razão, apresentando-a assim como a instância de unificação dos elementos materiais e espirituais, inseparáveis na experiência humana de simbolização e significação. Apresentando a dicotomia kantiana entre subjetividade e experiência como manifestação de um “ódio gnóstico à matéria”, Hamann apresenta um conceito de experiência inseparável da história e da linguagem que, desenvolvendo certa possibilidade de leitura do Ensaio sobre a origem das línguas de Rousseau, afirma a potência unificadora da linguagem como aquela que subjaz simultaneamente à história e à razão humanas, assim tomadas em sua indissociabilidade fundamental.
2 Conteúdo programático
1. A Crítica da razão pura e o problema do dualismo entre experiência e subjetividade
2. O problema da Metacrítica como expressão da oposição à separação entre história e razão
2.1 Algumas questões em torno da recusa transcendental da possibilidade de transição entre necessidade e liberdade a partir da reivindicação hamanniana da metabasis eis allo genos na Metacrítica como expressão da unidade histórico lingüística entre símbolo e signo.
2.2 O cristianismo como problema filosófico: entre a verdade da religião nos simples limites da razão e a religião como verdade da palavra, ou: história, razão, linguagem e verdade.
2.3 O debate hamanniano no contexto da recepção da ilustração francesa na Alemanha do séc. XVIII: Rousseau entre Kant e Hamann.
2.3.1 Da linguagem como unidade primeira da razão, da palavra como unidade espírito-matéria.
2.3.2 Da natureza imediata da mediação lingüística: o originário e a história sob o signo da contradição.
2.3.3 Do simbólico, do significativo e de sua unidade: o humor como forma de exposição da contradição unificada na finitude da linguagem: razão e fragilidade.
3. A crítica hamanniana e seus desdobramentos na filosofia de Hegel
3.1. A linguagem como mediação
3.2. O humor e a história
3 Metodologia
O curso será ministrado através de exposições orais. Articuladas à leitura prévia dos textos básicos e complementares, as exposições permitirão a construção do problema central da crítica hamanniana ao purismo kantiano. Partiremos de uma delimitação do problema kantiano para situar a crítica de Hamann ao dualismo, delimitação que será nucleada em uma exposição do percurso da primeira crítica pontuada no texto kantiano. A exposição do problema da Metacrítica partirá da compreensão do caráter humorístico deste pequeno texto. Além da própria construção da compreensão teórica da significação e do alcance da linguagem humorística em Hamann, que desenvolveremos ao longo do curso, o humor como determinação central da escrita hamanniana impõe, para a própria compreensão do texto da Metacrítica, o recurso às referências extra-textuais, sejam de caráter histórico sejam a outros escritos de Hamann, que aí assumem um caráter iluminador de importantes elementos textuais. Entre tais referências tomaremos em particular os excertos de Hamann coletados por Hegel em suas resenhas da publicação das obras de Hamann e a referência filosófica ao Ensaio sobre a origem das línguas, de Rousseau, que funcionarão como suportes ao trabalho de decifração da Metacrítica.
4 Avaliação
A avaliação será realizada mediante a produção de um trabalho dissertativo do aluno sobre o conteúdo da disciplina. Este deverá preferencialmente ser articulado, quando possível, à temática da pesquisa de dissertação do aluno. As orientações para o trabalho assim como a discussão de possíveis conexões entre o autor pesquisado e o problema hamanniano serão apresentadas ao longo do curso em momentos específicos reservados para este fim.
5 Bibliografia
Básica
Hamann, H. G. Metacrítica sobre o purismo da razão. In: José M. Justo (Org.). Ergon ou Energueia: Filosofia da linguagem na Alemanha sécs XVIII e XIX. Lisboa, Apaginastatas, 1986.
_____. Excertos. In: G. W. F. Hegel. Les écrits de Hamann. Introduction, traduction, notes et index par Jacques Colette. Paris: Ed. Aubier Montaigne.
Kant, Immanuel. Crítica da razão pura. Tr. port. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Goubenkian, 2ªEd.
Complementar
Hegel, G.W.F. Les écrits de Hamann. Introduction, traduction, notes et index par Jacques Colette. Paris: Ed. Aubier Montaigne.
Herder, J.G. Ensaio sobre a origem da linguagem. Edições Antígona, Lisboa, 1987. Prefácio, Tradução e notas de J. M. Justo.
Rousseau, Jean-Jacques. Ensaio sobre a origem das línguas. Tradução de Fulvia M. L. Moretto. Campinas: Editora da UNICAMP, 1998.