Química Verde: Uece recebe patente pela invenção de larvicida natural contra Aedes aegypti e Aedes albopictus
3 de setembro de 2025 - 14:55
A invenção representa um avanço na chamada “química verde” ao oferecer uma alternativa sustentável aos inseticidas sintéticos tradicionalmente usados
Mais de 3 mil casos de dengue e chikungunya foram registrados entre janeiro e o início de agosto no Ceará. Essas arboviroses, assim como a zika, são transmitidas principalmente pelo mosquito Aedes aegypti, mas também pelo Aedes albopictus, conhecido popularmente como mosquito-tigre-asiático.
Para combater a proliferação desses mosquitos, pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará (Uece) investigam formas de eliminá-los ainda na fase larval, de maneira sustentável. Foi a partir de um desses estudos que a Uece conquistou sua 7ª carta-patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A invenção descreve produtos obtidos das sementes da fruta biribá (Annona mucosa – Jacq.) como agentes larvicidas contra os dois vetores.
A pesquisa foi coordenada pela professora da Uece e líder do Laboratório de Química de Produtos Naturais, Selene Maia de Morais, enquanto orientadora do então doutorando em Biotecnologia, Alzeir Machado Rodrigues; e contou com a participação da estudante de iniciação científica em Química, Alice Araújo da Silva.
Segundo a professora Selene Maia, a descoberta representa um avanço na chamada “química verde”, ao oferecer uma alternativa sustentável aos inseticidas sintéticos tradicionalmente usados. “Nós conseguimos isolar substâncias chamadas acetogeninas, que apresentaram uma atividade larvicida excelente, melhor do que muitos produtos sintéticos já utilizados”, explica.
Além da eficácia, a equipe destaca a segurança ambiental, considerando que os produtos são derivados de sementes até descartadas em feiras, um subproduto sem valor comercial. “Além disso, a formulação é de origem natural, o que reduz riscos ambientais e favorece um uso mais sustentável em comparação a larvicidas sintéticos tradicionais. E mais: os nossos testes revelaram que não há toxicidade significativa”, explica Alzeir.
Foto: Comunicação IFCE Campus Acopiara
Os pesquisadores detalham ainda a potência das moléculas identificadas. “Isolamos duas acetogeninas (rollinicina e rolliniastatina-1). Essas substâncias apresentaram desempenho larvicida surpreendente: cerca de 100 vezes mais letais contra mosquitos do que o óleo essencial de cravo-da-índia (que investiguei no mestrado) e aproximadamente 200 vezes mais letais do que o óleo essencial de marmeleiro (que tínhamos investigado no início do doutorado). Esse diferencial de potência coloca a formulação em um patamar superior em relação a outros larvicidas naturais já conhecidos”, destaca Alzeir.
A professora Selene ressalta o diferencial em relação às práticas comuns de combate ao mosquito. “Com o produto utilizado no fumacê, por exemplo, mata-se o mosquito adulto. Já essas substâncias extraídas das sementes atuam diretamente na água, matando as larvas e interrompendo o ciclo de transmissão das doenças”, afirma.
O pesquisador acredita que o larvicida patenteado pode contribuir de forma decisiva com a saúde pública. “Isso significa impacto direto na prevenção de epidemias e na redução da carga sobre o sistema de saúde pública. Claro que é um processo que requer pesquisas posteriores e também investimento no desenvolvimento destes bioprodutos”, enfatiza.
A biodiversidade regional também amplia as perspectivas de aplicação, complementa a professora Selene. “O biribá é abundante no Pará e pode ser cultivado em larga escala. No Ceará, temos o araticum do brejo, uma espécie similar que pode ser usada tanto em projetos de reflorestamento costeiro quanto na produção do larvicida”, aponta.
Para Alzeir, a concessão da patente é um marco em sua trajetória científica. “Representa o reconhecimento da originalidade e do valor científico da pesquisa. Além de proteger a inovação, é um marco importante para mim como pesquisador, pois mostra que nosso trabalho pode gerar impacto prático e contribuir para soluções em saúde pública. Além disso, é a consolidação de um trabalho que já dura mais de uma década”, avalia.
Para a coordenação da pesquisa, a conquista tem também um forte valor formativo. A estudante Alice, ainda na graduação, figura entre os inventores. “É uma oportunidade única para nossos alunos perceberem que podem, desde cedo, produzir conhecimento útil para a sociedade. Isso motiva e desperta entusiasmo pela pesquisa desde o início da vida acadêmica”, afirma Selene.
A docente manifesta, ainda, sua satisfação em receber a carta-patente no ano em que seu Laboratório completa 25 anos. “O Laboratório de Química de Produtos Naturais da Uece está completando 25 anos e a conquista da nossa primeira carta-patente é motivo de muito orgulho. Este resultado evidencia o compromisso do nosso laboratório em promover uma Química Verde, que busca minimizar o uso de substâncias tóxicas, proteger a saúde humana e preservar o meio ambiente”.
Os pesquisadores vislumbram futuro para a invenção. “A patente abre portas para parcerias com empresas interessadas em investir na produção em escala industrial e no registro junto aos órgãos reguladores”, ressalta Alzeir. Ele acrescenta que a pesquisa foi continuada após o doutorado, em sua atuação como professor e pesquisador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, Campus Acopiara. Na Uece, outros estudos seguem em andamento sob a coordenação da professora Selene.
Com validade de 20 anos, a patente reforça a atuação da Uece na pesquisa e no compromisso com soluções inovadoras, sustentáveis e de impacto para a sociedade, como ressalta o reitor da instituição, professor Hidelbrando Soares:
“Com esta carta-patente, a Uece reafirma, mais uma vez, a sua força na pesquisa e na inovação, atuando de forma profundamente articulada com as demandas da sociedade e em sintonia com a pauta ambiental, na qual a Universidade também tem se destacado. Esse resultado é fruto da maturidade acadêmico-científica que a Uece alcançou e que a posiciona em um patamar de excelência, com uma produção científica robusta e de alto impacto. Somos, de fato, um patrimônio do povo cearense, vocacionado a produzir conhecimento que ultrapassa nossos muros e transforma vidas. Hoje, celebramos mais uma conquista que nos enche de orgulho. Estamos em festa!”, comemora o gestor.
Para a obtenção das cartas-patentes, a Uece conta com sua Agência de Inovação (Agin), que tem papel fundamental ao longo do processo. Na mesma direção do que destacou o reitor, o vice-coordenador da Agin, professor Ismayle de Sousa Santos, reforça a relevância social dessas conquistas, para além proteção jurídica das invenções:
“A concessão de cartas-patente pelo INPI para a Universidade Estadual do Ceará, além de garantir a proteção jurídica das nossas inovações desenvolvidas, simboliza o nosso compromisso em transformar o conhecimento produzido em soluções aplicáveis à sociedade, com potencial de impacto econômico e social. Além disso, elas estimulam novas parcerias e fortalecem a cultura de inovação entre nossos pesquisadores e estudantes,” ressaltou.
A pesquisa patenteada foi também publicada em periódico científico e pode ser acessada clicando aqui.