Professora da Faec participa de pesquisa internacional sobre Insegurança Alimentar na América do Sul durante a pandemia de Covid-19
27 de maio de 2025 - 14:10
O estudo Covid-19 pandemic exacerbated food insecurity in South American countries, publicado na revista Food Security, destaca como a última pandemia da história mundial intensificou a insegurança alimentar em países sul-americanos. A pesquisa foi realizada por uma rede internacional de 49 pesquisadores de sete países da América do Sul (Brasil, Colômbia, Ecuador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela), entre os quais, está a professora da Faculdade de Educação e Ciências Integradas de Crateús (Faec/Uece), Shirliane de Araújo Sousa.
O trabalho analisou 18.997 domicílios, utilizando a Escala de Experiência de Insegurança Alimentar da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO/ONU), para avaliar a prevalência [quantas pessoas enfrentavam] e a severidade do problema. A pesquisadora da Uece foi a responsável pela coordenação dos dados do Ceará, além colaborar com as coletas do Piauí.
Professora Shirliane explica como se deu a pesquisa. “Ela foi dividida em dois grandes blocos: o primeiro, que permite mensurar o que era comprado de alimentos antes e durante a pandemia e, assim, termos distintas variáveis para testar suas correlações; e a segunda parte, para mensurar os níveis de insegurança, ou seja, a percepção das famílias sobre seu status de fome”.
Entre as principais descobertas da pesquisa, destacam-se:
• Aumento Significativo da Insegurança Alimentar: antes da pandemia, 4,5% da população enfrentava insegurança alimentar moderada e 0,6% severa. Durante a pandemia, esses números subiram para 16,9% e 2,7%, respectivamente.
• Peru e Venezuela com maior insegurança alimentar: o Peru registrou o maior aumento na insegurança alimentar moderada (+23,9%) e severa (+4,6%). A Venezuela já apresentava altos índices antes da pandemia, com 9,7% enfrentando insegurança alimentar moderada.
• Impacto em famílias de baixa renda: famílias com renda inferior a dois salários mínimos mensais foram as mais afetadas. No Uruguai, houve um aumento de 40,4% na insegurança alimentar moderada entre essas famílias.
Embora tenha ocorrido esse impacto nas famílias de mais baixa renda, professora Shirliane falou sobre a surpresa dos pesquisadores ao se depararem com dados que indicavam o impacto também para os mais ricos. “O primeiro achado pode parecer um pouco óbvio, que a pandemia afetou negativamente os níveis de segurança alimentar, aumentando a perda na qualidade alimentar e quadros de fome; que o nível de insegurança alimentar aumentou em todos os países estudados e na maioria das classes de renda, o que não esperávamos encontrar é que todas as classes de renda fossem afetadas, ou seja, mesmo o grupo de renda mais rico (com mais de 4 salários mínimos ao mês) foram afetados”, ressalta a pesquisadora da Faec/Uece.
Entre as conclusões dos autores, uma que chama a atenção é que, segundo eles, o impacto da pandemia não foi algo isolado. “Traçamos uma linha temporal clara entre outras grandes crises e observamos que este impacto já vinha sendo detectado. Observamos que nossos programas de combate à fome, de política agrária, merenda escolar, os comitês de segurança alimentar (municipais, estaduais e federais) vieram pouco a pouco sendo desmontados ao longo dos anos. A pandemia apenas acabou de enterrar o que já vinha afundando”, destacou o pesquisador principal, Carlos Frederico Vasconcelos-Neto.
Os autores enfatizam a necessidade de políticas públicas eficazes para melhorar a resiliência alimentar e enfrentar futuros choques, como pandemias. “Em termos gerais, isso indicou que a política alimentar, apesar das melhorias nas últimas décadas, estava (e continua) longe de ser autossuficiente. Na verdade, estamos perdendo progressivamente a soberania sobre os alimentos, e esse processo continua”, salientou o coordenador geral/orientador da pesquisa, Pedro Mayor.
De acordo com Shirliane Sousa e Carlos Frederico, esse estudo acende importantes alertas. “O principal é para nossos governantes, mas também é fundamental que nossa população esteja em alerta para cobrar dos seus respectivos gestores. As políticas de combate à fome, em todas as esferas, precisam ser levadas a sério. A política alimentar na América do Sul (e no mundo) foi abalada pela pandemia por não ser suficientemente robusta”, defende Carlos Frederico.
A equipe internacional reconhece que muitas perguntas ainda precisam ser respondidas por meio de novas pesquisas, reforçando a importância de se investir em estudos contínuos e integrados, que subsidiem políticas públicas sustentáveis, capazes de garantir o direito humano à alimentação adequada.
Além dos autores já mencionados, são também responsáveis pelo artigo, Michelle Jacob, Daniel Tregidgo, Denis Valle, Hani El Bizri, Sávio Gomes, Julia E. Fa, Thais Morcatty, Frederico Ozanan Monteiro, Alessandra Scofield, Alessandra Matte, Willandia Chaves, Luiz Henrique Borges, Antônia I. Silva, Dídac Santos-Fita, Tiago Silva, Isaac Lopes-Filho, Maria Isabel Silva, Rebeca Mascarenhas Barreto, Marcela A Oliveira, Felipe Ferreira, Ricardo Santos, Jaime Honorato-Júnior, Marilene Brazil, Deise Oliveira, Valéria Ferreira, Hyago Soares, Marcia Pinto, Raone Beltrão-Mendes, Marcos Paulo Rodrigues, Wáldima Rocha, Roberto Gutiérrez Poblete, Francisco Luigi Schettini, Joe Rojas, Marco Aspilcueta, Justo Zevallos, Giussepe Gagliardi-Urrutia, Erick Rodolfo Delgado, Mariela Polit-Vera, Elvira Ríos, Juan Carlos Velásquez, Maria Dalila Riera, Lucy Romero, Danilo Dueñas e Daniel Garin.
A coleta e análise de dados contou com a colaboração de estudantes da Faec; entre eles, o autor listado Marcos Rodrigues, que atualmente é doutorando pelo Museu Nacional/UFRJ.
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