Defesa social de tese destaca resistências camponesas frente ao avanço do neoextrativismo
23 de maio de 2025 - 15:43
No dia 24 de abril de 2025, a Universidade Estadual do Ceará (UECE) realizou defesa social de tese vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia (ProPGeo). A defesa social representa um momento significativo de interlocução entre a universidade e os sujeitos sociais diretamente envolvidos com a pesquisa, especialmente lideranças de movimentos sociais e representantes de territórios tradicionais. Trata-se de uma instância de validação coletiva dos resultados, marcada pelo diálogo de saberes — um princípio cada vez mais reconhecido pelas ciências críticas, com viés participativo — que visa integrar os conhecimentos tradicionais e populares aos saberes acadêmicos, numa perspectiva de construção de uma ciência comprometida com a emancipação social e territorial.
O que se evidencia, nesse processo, é o esforço de construir uma escuta ativa e horizontal com os territórios pesquisados, dando visibilidade às resistências de grupos sociais em contextos de conflito e conflitualidade, e promovendo um debate público que ultrapassa os muros da universidade, alicerçado na ética, na justiça, na escuta sensível, na responsabilidade e na democracia.
A tese apresentada, intitulada “A Geografia Viva das mulheres camponesas do Baixo Jaguaribe, Ceará: territorialidades e resistências frente ao avanço do neoextrativismo”, da pesquisadora Rafaela Lopes de Sousa, foi defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia (ProPGeo/UECE). A orientação foi realizada pela Prof.ª. Camila Dutra dos Santos, docente do Progeo e coordenadora do Grupo de Pesquisa e Articulação Campo, Terra e Território (NATERRA/UECE) e do Laboratório de Estudos do Campo, Natureza e Território (LECANTE/UECE).
A pesquisa analisou os processos de territorialização do modelo produtivo denominado neoextrativismo, que vem se expandindo na América Latina, intensificando os conflitos e as desigualdades socioambientais nos territórios. O estudo se debruçou sobre comunidades camponesas de municípios da região do Baixo Jaguaribe – Aracati Quilombo do Cumbe (Aracati), Acampamento Zé Maria do Tomé (Limoeiro do Norte), Assentamento Bernardo Marin II (Russas) e Santo Estevão, Saco Verde, Currais de Cima e Baixa do Juazeiro (Tabuleiro do Norte) – evidenciando os impactos provocados pela expansão de empreendimentos ligados ao agronegócio, à mineração de calcário, à carcinicultura e às chamadas energias renováveis (eólica e solar).
A partir de uma abordagem territorial, geográfica e de gênero, a pesquisa revelou como esse modelo de (des)envolvimento gera desigualdades estruturais que afetam de forma particularmente grave as mulheres camponesas. O trabalho destaca o protagonismo dessas mulheres na construção de estratégias de resistência e na defesa de seus corpos-territórios, apontando caminhos para a emancipação social e territorial em contextos tanto do semiárido quanto da zona costeira.
A defesa social foi realizada no próprio Acampamento Zé Maria do Tomé e a banca examinadora contou com mulheres sem-terra do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento 21 de Abril e do Grupo de Mulheres Mãos que Criam: Maria Mônica de Oliveira Rodrigues (Acampamento/MST/M21/Grupo de Mulheres Mãos que Criam), Damiana Bruno Alves (Acampamento/MST/M21/Grupo de Mulheres Mãos que Criam/Estudante de Pedagogia da FAFIDAM) e Maria Marluce de Sousa Alves (Acampamento/MST Grupo de Mulheres Mãos que Criam). Além da própria comunidade, assistiram a defesa os alunos(as) do Curso de Bacharelado em Geografia do Campus Itaperi, Fortaleza).
Durante as falas da banca social, Damiana Bruno, acampada e estudante de Pedagogia da FAFIDAM, afirmou: “Tal pesquisa é um respiro para o esperançar, onde não se trata apenas de trazer as violências sofridas pelas mulheres, mas também as resistências”, reconhecendo a importância do trabalho como instrumento de luta para os territórios envolvidos. Já a sem-terra Mônica Rodrigues destacou que “é importante mostrar o trabalho e as lutas das mulheres, porque nós já fomos caladas por muito tempo e agora nós temos uma pesquisa que contribui para as nossas lutas e dá visibilidade para nós, mulheres”.
Segundo a pesquisadora Rafaela Lopes, “A defesa social constitui um espaço de intercâmbio de conhecimentos, no qual a universidade se conecta de forma direta com os territórios e com os sujeitos historicamente atravessados por conflitos, conflitualidades e violências, sejam elas físicas, psicológicas, epistêmicas, dentre outras. Representa o esforço de construção de uma ciência comprometida com os povos e comunidades tradicionais, que reconheça suas vozes, visibilize suas denúncias e valorize suas formas de resistência diante das imposições da tríade capital-patriarcado-neoextrativismo”.
Conforme a orientadora da tese, a professora Camila Dutra, “a Banca Social é uma forma do Programa de Pós-Graduação Geografia reafirmar o papel social, popular e público da Universidade Estadual do Ceará, evidenciar a importância do saber popular e do diálogo entre os múltiplos tipos de conhecimentos, estimular o respeito aos outros saberes e valorizar o papel da extensão universitária”.
Destaca-se que a primeira defesa social de tese do Programa de Pós-Graduação em Geografia (Propgeo/UECE) ocorreu em dezembro de 2019, na FAFIDAM, com o trabalho intitulado “As firmas tomaram conta de tudo: agronegócio e questão agrária no Baixo Jaguaribe/CE”, do pesquisador Leandro Vieira Cavalcante, também egresso do ProPGeo e integrante do grupo NATERRA. E a primeira defesa social de mestrado foi realizada em 2020 — também ligada às pesquisas da professora Rafaela Lopes.
A defesa social, como complemento à banca acadêmica, foi aprovada em 2020 no Propgeo e, desde então, é reconhecida institucionalmente pelo colegiado deste programa, atualmente coordenado pelo professor Edilson Alves Pereira Júnior. Desde 2020, o PropGeo já realizou 15 defesas sociais.
Ao realizar a defesa social diretamente nos territórios investigados, a Uece, os(as) pesquisadores(as)/professores(as), bem como os grupos de pesquisa, reafirmam seu compromisso com uma ciência comprometida com a realidade dos povos em resistência. Mais do que um procedimento acadêmico, esse momento se torna um marco político e pedagógico, fortalecendo a produção de conhecimentos construídos a muitas mãos, enraizados na vida concreta e nas lutas coletivas. Iniciativas como essa evidenciam que é possível fazer da universidade um espaço vivo de escuta, reconhecimento e transformação social.
A tese já se encontra disponível na Biblioteca da Uece, no link: SidUece – Sistema de Informação e Documentação