Pesquisa – Voo Vasp 168: experiência de luto e de reorganizações familiares 40 anos depois

14 de junho de 2022 - 16:30

Realização de negócios empresariais, reuniões e compromissos pessoais ocuparam parte da agenda dos cearenses que estavam em São Paulo no dia 7 de junho de 1982. Naquela segunda-feira, a vida seguia seu curso normal para as 137 pessoas que, no fim daquele dia, embarcariam no voo Vasp 168, rumo à cidade de Fortaleza. A chegada ao destino final, contudo, saiu da normalidade quando o Boeing 727, da empresa Vasp, se chocou, na madrugada de 8 de junho de 1982, contra a Serra da Aratanha, na Região Metropolitana de Fortaleza.

Hoje, passados 40 anos da tragédia, as histórias dessas pessoas seguem sendo contadas, misturando-se às narrativas daqueles que ficaram e tiveram de lidar com o luto de uma das maiores tragédias aéreas do País. E é para contar a versão dos parentes das vítimas e as mudanças pelas quais passaram que a professora adjunta do curso de Psicologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Layza Castelo Branco Mendes, está escrevendo a pesquisa de pós-doutorado “Tragédia do Voo Vasp 168: Narrativas e Reconfigurações Familiares Após 40 Anos”, projeto apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Para a pesquisadora, o estudo possui significado particular, uma vez que o acidente representa uma mudança profunda na sua própria vida que influenciou sua trajetória pessoal e profissional. “O tema me atravessa; meu pai estava nesse voo da Vasp 168. Não lembro muita coisa, porque eu só tinha três anos e meio. Lembro-me do dia que minha mãe contou, alguns dias depois do acidente. Recordo-me de ter chorado muito. Choro mediado por tristeza e confusão mental. Uma criança de três anos e meio não entende ainda a morte. Nós, adultos, ainda não entendemos. Assim, desde a graduação em Psicologia, me interesso por compreender os fenômenos relacionados a morte, luto, reconfigurações familiares após perda de familiar. Com essa pesquisa, busco compreender como se constituíram as reconfigurações familiares após 40 anos do acidente levando em consideração fatores como a impossibilidade de rituais fúnebres particulares, ausência de despedidas, perdas inesperadas, perdas de pessoas jovens, entre outros fatores”, conta Layza Mendes, acrescentando que pretende transformar os achados da pesquisa em material científico que possa ajudar famílias enlutadas.

Grandes tragédias como a do voo Vasp 168, que foi o maior desastre aéreo da aviação comercial brasileira até 2006 e, hoje, é o terceiro mais grave, atrás apenas dos acidentes do voo Gol 1607 (154 mortos), em 2006, e do voo TAM 3054 (199 mortos), em 2007, afetam de forma muito específica os familiares das vítimas e a coletividade, tendo em vista a impossibilidade de cumprir os ritos funerários e a visibilidade do evento. “São em momentos como esses, de grandes tragédias, que vamos nos detendo à tarefa de compreender a morte e os cuidados com o luto. Luto por mortes inesperadas e por acidentes são mais complexos. Quando é de pessoas jovens, como no voo 168, também há dificuldades em elaborar o luto. Contudo, cada família e cada indivíduo tem suas formas particulares de fazer isso. Esse processo de elaboração do luto depende de crenças culturais, religiosas e familiares. Depende dos afetos familiares e das relações que havia antes com a pessoa perdida. Enfim, depende de muitas contingências. Porém, é sempre muito difícil e doloroso”, afirma a pesquisadora.

Quatro décadas após o acidente com o voo Vasp 168, as causas exatas da tragédia ainda não foram totalmente esclarecidas, mas a memória daqueles que se foram e dos eventos que marcaram o pós-acidente, como o enterro coletivo em uma vala comum no Cemitério Parque da Paz e as cenas televisionadas dos curiosos recolhendo partes do avião no local da tragédia, segue viva para parentes e amigos das vítimas. São histórias que ainda precisam ser contadas para a elaboração das questões de luto que, porventura, ainda permanecem, bem como para auxiliar outras vítimas de tragédias coletivas.

Sobre a pesquisa

Conforme a pesquisadora, o estudo possui abordagem qualitativa e natureza descritiva. A coleta de dados ocorrerá por meio de entrevistas focadas nas narrativas dos parentes das vítimas do voo Vasp 168 acerca das reconfigurações familiares após a morte dos seus familiares. A seleção dos participantes da pesquisa será feita por meio de chamada pública nas mídias sociais.

“Os dados serão analisados por meio da análise de conteúdo com o objetivo de organizar os sentidos para as suas histórias de perdas de seus parentes de forma abrupta – com a peculiaridade de ter sido por meio de um acidente aéreo, sem possibilidade de vivenciar as etapas das cerimônias de despedida –, bem como as reorganizações familiares em função dessas perdas. Os dados coletados serão dialogados com aportes teóricos da Psicologia que discutam compreensões acerca da instituição família, bem como os que discutam luto”, explica a pesquisadora. “Objetiva-se focar na dimensão familiar, mais especificamente objetiva-se compreender as reorganizações familiares de quem perdeu um ou mais familiar no voo 168, levando em consideração as peculiaridades que esse acidente traz, como ter sido uma tragédia publicizada, não ter havido atendimento de emergência efetivo, não ter havido um corpo sequer para ser enterrado, os rituais fúnebres terem sido públicos, entre outras”, finaliza.