Espaço Ekobé e a força do princípio da solidariedade

29 de maio de 2023 - 15:52

 

Um lugar para se desconectar do mundo, onde o que mais se vê ao redor é o verde que segue o ritmo do vento, ao som do canto dos pássaros. Um ambiente que convida para ficar, respirar, relaxar, curar e até tomar um café e prosear. Um espaço construído a muitas mãos, com simplicidade e sustentabilidade.

Esse é o Espaço Ekobé, um projeto de extensão vinculado à Universidade Estadual do Ceará (Uece), um movimento social e popular, um espaço de cuidado e formação que tem como base o princípio da solidariedade e da corresponsabilidade, onde todos são bem-vindos para receberem cuidados e, depois, ter a oportunidade de formação para também cuidar dos outros e do ambiente.

Como explica a coordenadora do Ekobé, professora Rocineide Ferreira, a atuação do movimento é ampla, sendo uma de suas principais atividades a oferta de cuidados, que podem ser individuais, com reiki, barra de access, auriculoterapia, escalda pés e massagem de som; e coletivos, com biodança, yoga, cuidado com as taças tibetanas e outros sons, escalda pés, diálogos e silêncios para o cuidado de si e constelação familiar.

O Espaço, localizado no campus Itaperi, é aberto ao público e gratuito, proporcionando benefícios para a comunidade interna e externa à Uece. “Podemos afirmar que temos uma média de 100 atendimentos individuais mensais e de 150 pessoas beneficiadas nas atividades coletivas”, informa a coordenadora.

“As práticas desenvolvidas no Ekobé e seu modus operandi se constituíram referência para vários locais (secretarias de saúde, educação e movimentos populares e sociais) que estiveram frequentando, dialogando, partilhando saberes e fazeres. O Ekobé é uma referência nacional”, destaca a gestora.

O Ekobé existe desde 2005, sendo institucionalizado pela Uece, enquanto laboratório misto (ensino-pesquisa-extensão), a partir de 2018, intitulado Laboratório Ekobé: Cultura, Cuidado e Educação Popular em Saúde, conforme a Resolução nº 1454/2018.

Um pouco da história

O Ekobé foi criado como iniciativa de movimentos sociais ligados à Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS) durante encontro da SBPC na Uece. Por meio de articulações, o movimento ganhou espaço no campus Itaperi, como conta a educadora popular e cuidadora Vera Dantas, membro do Coletivo Gestor e uma das fundadoras do Ekobé.

“Eu digo que nós somos um assentamento porque quando chegamos à Uece, éramos um acampamento. A gente foi ficando, inicialmente num lugar pequeno, um quartinho, depois conseguimos recursos”.

Esses recursos, mencionados pela professora Vera, foram liberados pelo Ministério da Saúde, por meio da Política Nacional de Educação Popular e Saúde (PNEPS), que teve a experiência do Ekobé como fator determinante em sua construção. “A inclusão do eixo ‘Cuidado’, por exemplo, foi muito inspirada na experiência do Ekobé…. Na época da construção da Política eu fui compor o comitê. Nós fizemos aqui na Uece um dos encontros regionais voltados para criação de propostas da Política”, conta Vera.

A PNEPS possui também o eixo “Formação” e foi a partir desse eixo da Política que o Ekobé conseguiu recursos para a realização de um curso de Permacultura e, a partir dele, foi realizada a construção do Espaço Ekobé hoje existente.

“Foi a primeira vez que a Educação Popular e a Permacultura se aproximaram. Tudo mudou a partir do curso de Permacultura, realizado por meio da Proex que, na época, tinha à frente a professora Lúcia Helena Grangeiro. O curso teve 70 educandos e foi com esse curso que, em três meses, nós construímos esse Espaço”, destaca a professora Vera.

A cuidadora conta que outro grande passo foi o início da oferta de formações. “Para o começo das formações, nós conseguimos um recurso com o Ministério da Saúde, para oficinas de mediação pedagógica. A ideia era trazer o pessoal dos movimentos populares para dentro da universidade, para que eles realizassem formações curtas, de 40 horas, voltadas para estudantes e professores da universidade e para trabalhadores de saúde. No começo não era só reiki, tinha educação popular, comunicação popular, tinha grafite com o pessoal da Serrinha, música, noções de massoterapia”.

E foi nesse convite aos movimentos e educadores populares que o Ekobé recebeu na Uece a mestre em reiki, irmã Cruz, como relata Vera. “Ela veio fazer formação de três turmas, era muita gente. Aí ela disse: ‘Quero fazer uma contra-proposta: eu pego essa primeira turma, formo vocês para serem mestres de reiki e vocês se comprometem a formar outras pessoas de forma solidária”. E foi a partir daí que foi fortalecido o movimento de formação solidária do Ekobé, com início pelo reiki e depois integrando outras práticas.

É o que explica também a coordenadora, professora Rocineide Ferreira. “Muitos dos cuidadores que assumem compromisso de cuidar ao receberem formação, permanecem por um determinado período, mas depois seguem, inclusive para cuidar em outros espaços, uma vez que a solidariedade é um princípio reforçado e praticado por quem habita, seja que tempo for, o Ekobé”.

Nessa rede de formação solidária, o Ekobé já formou mais de 500 pessoas no reiki, em diferentes níveis. Algumas dessas pessoas se tornaram cuidadoras no Ekobé ou em outros lugares, em Fortaleza, no Ceará, no Brasil e no mundo.

Eu cuido, tu cuidas, nós somos cuidados

Ao chegar no Ekobé, todos são bem-vindos para serem cuidados, em qualquer uma das práticas. Ao longo do tempo, esses que são/foram cuidados podem passar a ser cuidadores, conforme o movimento da formação solidária.

Um dos exemplos dessa corrente do bem é Caroline Ripardo, que é brasileira residente na Bélgica. Ela teve sua formação no Espaço Ekobé e levou seu conhecimento de cuidados para fazer o bem em outro país. “Quando estive no Brasil, há quatro anos, tive o prazer de ser iniciada no reiki pela Verinha… Este ano concluí mais um nível do reiki no Ekobé com minha Mestre Vera….. pretendo continuar divulgando e trabalhando o amor e o bem que o reiki transmite às pessoas”.

Quem também foi cuidada e hoje cuida é Marta Pimentel, que está no Espaço Ekobé há oito anos. Ela é reikiana, com formação a nível de mestrado, mas também já realizou outros cursos. Hoje ela ajuda a cuidar não apenas das pessoas que buscam o Ekobé, mas também do próprio Espaço. O que Marta recebe em troca, ela revela: “Alegria”. Isso era algo que ela pensava em buscar em um curso de graduação, mas foi nos cursos do Ekobé que ela encontrou o que procurava. “Não achei a fisioterapia do corpo, mas achei a fisioterapia da alma”.

Um dia, quem também poderá se tornar cuidadora é Ana Francisca de Oliveira e sua filha Cecília de Oliveira. Residentes no bairro Maraponga, em Fortaleza, elas frequentam o Ekobé há quatro anos, nas atividades de banho de som, biodança, escalda-pés, massoterapia e reiki. Elas reconhecem a importância do Espaço. “O Ekobé tem um lugar todo especial no meu coração, na minha vida. Chegou em um momento do aprender e do se acolher. O acolher a si naquilo que você é, naquilo que você traz, naquilo que você se propõe de existência. E assim a gente vai construindo esse caminho da busca de si, com a ajuda do Ekobé”, ressalta Ana Francisca.

Para Cecília, o reiki é o melhor cuidado. “Eu gosto muito do reiki. Ele me deixa muito relaxada e proporciona equilíbrio físico, emocional e psíquico”.

Ekobé como espaço de formação na graduação e na pós-graduação

Há muito tempo o Espaço Ekobé é campo também para aulas-vivências e estágios eletivos, envolvendo estudantes da graduação e de pós-graduação, não apenas da Uece, mas de cursos de outras universidades do Ceará e de outros estados que procuram o lugar, como as Residências de Medicina de Família e Comunidade e as Multiprofissionais em Saúde da Família, de Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Pernambuco.

“Um exemplo recente foi a vinda de residentes da cidade de Mossoró – Rio Grande do Norte. Também tem recebido estudantes de Medicina e Enfermagem, no internato, e estudantes de cursos de saúde de nível técnico”, informa a coordenadora, Rocineide Ferreira.

Algumas pesquisas foram realizadas produzindo monografias de finalização de cursos de especialização e graduação. “Importante salientar que esta procura tem sido incrementada e não apenas por cursos da área da saúde, mas também da área da educação, geografia, filosofia, entre outros”, revela a professora.

Espaço físico sustentável

O Espaço Ekobé foi construído sob os princípios e técnicas da Permacultura e da Educação Popular em Saúde. A bioconstrução consiste na construção de ambientes tendo, como prioridade, o baixo impacto ambiental. Nas paredes, foi usada, principalmente, a hiperadobe, uma técnica em que sacos raschel são preenchidos com terra e através de compactação manual, fazendo com que as camadas se estabilizem em um material seguro.

O Espaço possui um banheiro seco, que cumpre todas as funções de um banheiro convencional, porém sem utilizar água em seu sistema, produzindo, ainda, insumos que podem ser utilizados para fertilização de plantas. O Ekobé possui também teto verde, que é uma espécie de jardim no teto que serve como isolante térmico. Foram utilizados materiais de reuso, como garrafas de vidro que, Incrustadas nas paredes, permitem maior iluminação dos ambientes.

Algo que chama atenção e que muito representa o Espaço Ekobé é uma oca de, aproximadamente, dez metros de altura, coberta com palha de carnaúba.

Veja abaixo tudo o que o Ekobé oferece

Realiza ação permanente de cuidado com práticas ofertadas individualmente como: massoterapia, reiki, medicina tradicional chinesa, radiestesia, florais, entre outras; e práticas coletivas como biodança, constelação familiar, yoga, banhos de som, capoeira, corredores do cuidado entre outras;

Realiza processo formativo permanente com a terapia reiki e formações anuais em massoterapia e farmácia viva;

Desenvolve e apoia ações de arte e cultura pautadas na possibilidade de construção de diálogos multiculturais especialmente com as culturas afro-brasileiras, indígenas, periféricas, além do estímulo a atividades criativas e expressivas a partir de linguagens da arte como música, teatro, dança, poesia, cenopoesia, artes plásticas, entre outras;

Promove interfaces com vários cursos de graduação da Uece, recebendo estudantes para vivências com as práticas integrativas (reiki, massoterapia, farmácia viva, escalda-pés e cuidado com as taças tibetanas e outros sons) no próprio espaço ou participando de aulas em disciplinas da graduação, da pós-graduação e dos projetos de extensão universitária;

Desenvolve e/ou apoia a organização de encontros organizativos da ANEPS, em articulação com o coletivo gestor do Ekobé;

Promove/apoia a realização de projetos de extensão, pesquisa e sistematização das experiências desenvolvidas no Ekobé e por parceiros envolvendo educação popular, arte, permacultura.

Cronograma 2023