Democracia racial: Uece aprova Resolução que institui ações de heteroidentificação
8 de abril de 2021 - 11:07 #democracia #Heteroidentificação #igualdade #justiça #Uece
A Universidade Estadual do Ceará (Uece) segue fazendo história. No último dia 1º de abril, por meio do seu Conselho Universitário (Consu), aprovou a Resolução nº 1.657/2021, que institui as instâncias e os procedimentos de heteroidentificação no âmbito do sistema Funece/Uece.
A partir da Resolução, serão constituídas comissões para validação dos documentos e verificação fenotípica de candidatos aprovados em vestibulares, seleções públicas ou concursos públicos, realizados pela Funece/Uece, que se autodeclaram negros (pretos e pardos).
As Comissões de Heteroidentificação (CHET/Uece) serão coordenadas pelo Núcleo de Acompanhamento da Política de Cotas Étnico-raciais (NUAPCR/Uece), órgão de assessoramento vinculado à Presidência/Reitoria da Funece/Uece, que contará com representantes das Pró-Reitorias de Graduação, de Pós-Graduação e Pesquisa, de Extensão, de Políticas Estudantis, da Comissão Executiva do Vestibular, da Assessoria Jurídica, além de representantes estudantil, docente e dos servidores técnico-administrativos.
Com isso, a Uece busca oferecer maior inclusão, democratização e justiça. Para o reitor da Uece e presidente da Funece, professor Hidelbrando Soares, a Resolução “é um elemento fundamental para garantir o correto cumprimento das políticas públicas de ações afirmativas e do sistema de cotas étnico-raciais”.
O reitor destaca que “a Uece é uma instituição fortemente comprometida com essas ações afirmativas de diversidade e de equidade e com o combate a preconceitos de qualquer natureza. O correto cumprimento dessas ações, de forma a contemplar efetivamente as pessoas que historicamente enfrentam condições desiguais de acesso e de permanência na educação superior, é um aspecto fundamental para a construção de uma universidade mais inclusiva e, consequentemente, democrática. Nesse sentido, as comissões de heteroidentificacão são imprescindíveis para promover a efetivação dessa política pública de inclusão, prevenindo e corrigindo fraudes ao sistema de cotas étnico-raciais, constituindo-se, portanto, um instrumento de justiça social. É um momento histórico para a Uece”, salientou Hidelbrando.
As comissões de heteroidentificacão atuarão, principalmente, no início dos processos seletivos para o ingresso na universidade e em seleções e concursos públicos. “Definimos que a prevenção será a estratégia principal do funcionamento dessas comissões em nossa Universidade”, ressalta o gestor. Além de atuar para prevenção, as comissões estarão também presentes em averiguação de denúncias de fraude ao sistema de cotas étnico-raciais em certames passados.
A pró-reitora de Políticas Estudantis da Uece, uma das principais mobilizadoras para criação do documento, professora Mônica Cavaignac, explica a necessidade da Resolução. “A aprovação da Resolução pelo Consu é resultado do processo de construção coletiva de uma resposta institucional socialmente responsável não apenas às possíveis tentativas de fraude ao sistema de cotas étnico-raciais – fato relativamente recente na realidade das instituições de ensino superior públicas –, mas, também, ao racismo estrutural, cujas expressões, infelizmente, são recorrentes em nossa sociedade, sobretudo o chamado racismo de marca”.
A pró-reitora segue com a explicação. “Com a Resolução, pretendemos esclarecer à sociedade que as cotas para negros(as), sejam eles(as) pretos(as) ou pardos(as), devem ser destinadas àqueles(as) que, em decorrência de suas características fenotípicas, como cor da pele e traços faciais, enfrentam condições desiguais e desfavoráveis de acesso ao ensino superior e ao mercado de trabalho. Desse modo, compreendemos que toda fraude ao sistema de cotas étnico-raciais deve ser combatida e que o estabelecimento de instâncias e de procedimentos de heteroidentificação no âmbito da Universidade é um importante e legítimo meio de prevenção e de correção de injustiças sociais”.
Para aprovação da Resolução, o Consu contou com a presença de uma convidada, a professora da Uece e assessora especial de Acolhimento ao Movimentos Sociais do Estado do Ceará, Zelma Madeira. A docente se mostrou orgulhosa da ação da Uece. “Esse é um momento histórico, pois há aqui um atendimento às demandas dos movimentos sociais negros, dos movimentos antirracistas… Nós, população negra, sempre acreditamos que o potencial garantidor de uma ascensão e de uma mobilidade passaria pelos processos de educação. Então, hoje, houve reparação, reparação pelo passado criminoso que foi a escravidão. Com a aprovação da Resolução, hoje houve justiça racial e respeito às pessoas, pois sempre foi muito difícil para nós, população negra, conseguir ingressar nas universidades, então, isso é um fato histórico! Vamos para frente, com uma verdadeira democracia racial”, destacou a docente.
A parecerista do processo para criação da Resolução, professora Jaqueline Rabelo, lembra que esse é mais um passo dado pela universidade em direção à prevenção e à correção de injustiças, já que o passo inicial foi dado ainda em 2017, quando o Conselho Universitário aprovou a Resolução nº 1.370/2017, que regulamenta as formas de ingresso nos cursos de graduação da Uece e a política de cotas instituída pela Lei Estadual nº 16.197, de 17 de janeiro de 2017.
“Aquele foi nosso passo inicial. Como Universidade, hoje, demos mais um importante passo para garantir que as cotas sejam ‘direito’ garantido a quem, de fato, a elas tem direito. Sim, estamos falando sobre direitos!Direitos dos(as) negros(as) de acessarem a Educação Superior, o que se configura apenas como ‘uma’ das muitas ações afirmativas necessárias para reparação da dívida histórica com quem sofre discriminação, opressão e segregação desde que este país se constituiu como tal”.
A conselheira lembra a poetisa negra Carolina de Jesus, que escreveu: “Ah, comigo o mundo vai modificar-se. Não gosto do mundo como ele é”. “Nós, que fazemos a Uece, também queremos e vamos atuar para ‘mudar o mundo’, um curso por vez, uma sala de aula por vez, um estudante por vez!”, disse, confiante, a professora Jaqueline Rabelo.
O próximo passo da instituição será a composição do NUAPCR e das Comissões que atuarão nos próximos vestibulares, seleções para os programas de pós-graduação, seleções públicas para professores temporários e substitutos e concursos públicos para servidores docentes e técnico-administrativos efetivos.