Após estudos em estação espacial, Uece pesquisa medicamento para Síndrome de Rett

18 de dezembro de 2025 - 14:51

 

A Universidade Estadual do Ceará (Uece), por meio do Laboratório de Genética Médica (Lagem), está finalizando o processo de seleção dos participantes de uma pesquisa clínica inovadora que investiga o uso da lamivudina, medicamento antiviral já disponibilizado gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como possível terapia para a Síndrome de Rett, uma doença genética rara e severa que afeta principalmente meninas. O estudo é coordenado pela professora Denise Carvalho e coloca a universidade em um seleto grupo de instituições que desenvolvem ensaios clínicos com padrão internacional, a partir de descobertas científicas realizadas pela Universidade de San Diego (USD), na Califórnia, em parceria com a NASA, sob a liderança do pesquisador Alysson Muotri.

Considerada rara, a Síndrome de Rett pode afetar entre cinco e dez meninas a cada 100 mil no mundo. A doença é causada por mutações no gene MECP2, localizado no cromossomo X, e se caracteriza por um desenvolvimento inicial aparentemente normal, seguido pela perda gradual de habilidades que a criança já havia desenvolvido, como a fala e os movimentos. “O impacto físico e emocional é enorme, porque a criança nasce ‘normal’ e depois involui gravemente, perde a fala e passa a apresentar convulsões refratárias, muitas vezes com sequelas graves”, ressalta a professora Denise.

A escolha da lamivudina como potencial tratamento teve origem em um experimento que levou células de pacientes com Síndrome de Rett à Estação Espacial Internacional. Segundo a pesquisadora, “foi uma pesquisa que literalmente foi parar no espaço”. Em ambiente de microgravidade, as células passaram por um envelhecimento acelerado. “O que se levaria anos para descobrir aqui, conseguimos observar em semanas na estação espacial”, explica. O resultado mais surpreendente veio após o retorno dessas células para a Terra, quando o uso da lamivudina promoveu uma recuperação significativa. “Essas células foram ‘curadas’ com o uso da lamivudina”, destaca a docente da Uece.

Após esses resultados expressivos nas fases iniciais da pesquisa, conduzidas na Califórnia, o estudo agora avança para a fase de ensaio clínico, que será realizada pela Uece com pacientes diagnosticados com a Síndrome de Rett. “Já passamos pelos estudos celulares e pré-clínicos e agora estamos na etapa de clinical trial”, afirma a coordenadora. Os participantes estão sendo selecionados entre pacientes com diagnóstico genético confirmado.

Um dos diferenciais do estudo é o uso desse medicamento já fornecido gratuitamente pelo SUS para outras finalidades. Para a professora, esse aspecto amplia o alcance social da pesquisa. “Estamos falando de um medicamento gratuito, com efeito potente, capaz de inibir a progressão natural da doença, restaurar células e melhorar sinais e sintomas, como já observamos nos estudos pré-clínicos”, destaca. Por se tratar de um medicamento de segundo uso, o estudo avançou com segurança para esta fase, com previsão de conclusão em até seis meses.

A expectativa da equipe é que a intervenção seja capaz de alterar o curso da doença. “Esperamos uma mudança na história natural da Síndrome de Rett, com melhora das estereotipias, redução das convulsões, avanços no desenvolvimento e, principalmente, sobrevida com qualidade de vida”, afirma a professora Denise. Caso os resultados sejam positivos, a pesquisadora adianta que o próximo passo será ampliar o estudo. “A ideia é expandir para todo o Brasil e para o mundo, em um projeto internacional envolvendo grupos de pesquisa de Nova York e da Europa.”

Para as famílias que acompanham o avanço da pesquisa com esperança, a professora deixa uma mensagem de confiança. “A ciência e os pesquisadores não param. Estamos sete dias por semana investindo, e o sorriso e a esperança das famílias, aliados à ciência de excelência, vão fazer a diferença”, afirma. Para ela, a pesquisa representa também uma realização pessoal e institucional. “É uma alegria imensurável provar que podemos fazer ciência de ponta, com parcerias internacionais e baixo custo, colocando a universidade pública a serviço da sociedade.”

Minicérebros

Ainda relacionada à pesquisa sobre o uso da lamivudina no tratamento da Síndrome de Rett, a Uece também desenvolve o primeiro modelo de minicérebro para o estudo do Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Nordeste. O modelo será inspirado nos estudos realizados na estação espacial.

Quando se fala em minicérebro, não se trata de um cérebro em tamanho reduzido, mas de um conjunto de células desenvolvido em laboratório para o estudo de processos como a neuroinflamação.

“Foi justamente por meio do desenvolvimento desse minicérebro com Síndrome de Rett que conseguimos as respostas que nos levaram ao uso do antirretroviral”, explica Denise. Segundo ela, os minicérebros permitirão avançar em perspectivas terapêuticas também para diferentes tipos de autismo. “Podemos melhorar a qualidade de vida dessas crianças e adolescentes e, assim, ajudar a construir um futuro melhor para um dos maiores problemas de saúde pública do mundo, que é o autismo e outros transtornos do neurodesenvolvimento”, conclui.