Helena Frota se aposenta na Uece como referência na pesquisa de violência contra a mulher

15 de abril de 2023 - 11:17

O semestre letivo começou diferente para a professora e pesquisadora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Maria Helena de Paula Frota. No último dia 5 de abril, ao completar 75 anos de idade, a docente, que é referência na pesquisa sobre violência contra a mulher, após 42 anos de serviço, assinou sua aposentadoria no Departamento de Pessoal (Degep), no campus Itaperi. Mas não se engane, pois o que era para ser uma despedida será apenas um “até logo”, já que Helena pretende permanecer na pós-graduação e abraçar ainda mais a extensão.

“Sempre atuei nas três áreas: ensino, pesquisa e extensão. Agora quero fazer mais extensão; quero formar grupo de mulheres, ir para a periferia, falar pra elas. Eu quero esse trabalho!”, revela a pesquisadora.

Não poderia ser diferente, se tratando de uma mulher empoderada, curiosa, cheia de empatia, que descobriu o amor pelo ensino ainda na infância, quando, aos 7 anos de idade, dava aulas para amigos e vizinhos. Na mesa da sala de jantar ou sob a sombra de uma mangueira, Helena Frota aprendeu cedo o valor de transferir conhecimento. Ela não se incomodava quando, após o almoço, importunava o sono da mãe ao receber as crianças que vinham aprender, empolgadas e barulhentas. Com dificuldade em tabuada, a menina desenvolveu a própria metodologia, usando pequenos frutos da árvore que protegia sua turma do sol, no histórico Montese.

“Eu comecei a ensinar a teoria dos conjuntos, sem nem saber que era a teoria dos conjuntos”, disse Helena rindo. “Então eu dizia, ‘hoje nós vamos ter aula aqui debaixo da mangueira’. Aí pedia para os alunos pegarem manguinhas, ‘vamos contar’. Ali eu ensinava a somar e subtrair”, recorda feliz. Hoje, mãe de três e avó de oito, ela conta essa e muitas outras histórias para a família que tanto se orgulha de seu trabalho.

“Eles têm o maior orgulho e muito respeito… sabem que eu sou, muito mais, uma mulher do mundo, da academia, do que doméstica. Sempre fui uma mãe muito próxima, mas a minha maior dedicação até hoje é para a academia”, conta.

Helena Frota é graduada em Serviço Social, mestre e doutora em Sociologia. Foi, inclusive, durante o mestrado, que descobriu sua paixão pela pesquisa. Ingressou como docente na Uece no curso de Serviço Social, onde lecionou as disciplinas de Antropologia, História e, claro, Pesquisa. As duas primeiras disciplinas, deixou de ensinar. “Ensino Pesquisa na graduação desde que entrei na Uece; deixei agora, mas ensinei Pesquisa por 42 anos na graduação. Na pós-graduação, ensinei muito, nos cursos de especialização, no mestrado de Sociologia e no mestrado de Políticas Públicas”, onde pretende permanecer. Como orientadora, ela vai além, ensinando o aluno a pensar, a ser crítico sobre suas próprias ideias e reflexões, manter a mente aberta, tendo como uma de suas bases, Paulo Freire. Professora Helena foi também, por 20 anos, tutora do PET – Programa de Educação Tutorial. “Hoje tem espalhado, no Brasil inteiro, esses alunos que se formaram com a minha tutoria”, acrescenta a docente.

Como pesquisadora da área de gênero, família e geração, Helena Frota criou, em 2008, junto à também professora e pesquisadora Socorro Osterne, o Observatório da Violência Contra a Mulher (Observem). “Coordeno esse observatório, que é um banco de dados de monitoramento da violência contra a mulher, muito útil para pesquisas e para o direcionamento de políticas públicas no Ceará. Por meio do Observem, nós também oferecemos cursos de formação em gênero e atuamos na extensão. Temos, geralmente, atividades de extensão em escolas, discutindo a questão de gênero. Temos convênio com as secretarias ou as coordenadorias de políticas para mulheres, também com vistas à formação em gênero”, explica.

Entre as inúmeras pesquisas realizadas por meio do Observem, professora Helena destaca algumas que a marcaram fortemente, como o que resultou no livro Assassinato de Mulheres no Ceará: antes e depois da Lei Maria da Penha. “Ele mostra uma grande seleção de dados de todo o estado, pesquisamos em 32 municípios. A história dessas mulheres me marcou muito”. Outra pesquisa, escrita no livro O Feminicídio no Ceará, também deixa marcas. “Fala sobre 12 mulheres que foram assassinadas na região do Cariri”. Professora Helena destaca caso recente ocorrido nessa região.

“Escrevemos esse livro há cerca de 12 anos e as mesmas coisas ainda acontecem, por exemplo, quando a presidente da Câmara Municipal de Juazeiro do Norte foi assassinada… Morre não só ela, mas toda a família, que muitas vezes percebe e não dá um basta”, se indigna a pesquisadora. “Então, eu fico me perguntando: por que? E até quando?”. Essas são as perguntas que mais a incomodam.

Professora Helena acredita numa saída. “É preciso trabalhar com a questão cultural, com a subjetividade dessas mulheres. São necessárias campanhas em escolas e nos meios de comunicação, pois isso está arraigado durante muitos séculos”. E o Observem pode ajudar nessa missão, pois, como disse a professora, “ele serve a todo o estado do Ceará, ultrapassando o âmbito da Uece. O Observatório é uma resposta que a Universidade dá a um problema intenso e atual”.

Apesar do caminho ainda ser longo, muitas conquistas já foram alcançadas. “Quando eu chego, por exemplo, em um supermercado e vejo ‘é proibido discriminação por questões de gênero e étnico-raciais’, enxergo que isso é uma das conquistas das mulheres”, comemora Helena.

Com esse sentimento de esperança em dias melhores para todas as mulheres, a professora nata viveu e vive a pesquisa sendo muito reconhecida. “A grande aceitação que eu tenho, eu sou tratada com muito carinho. Dezenas de pessoas que passaram por mim, que estão às vezes fora daqui, e me passam mensagem dizendo ‘professora, concluí minha tese, muito obrigada por tudo’. Isso não tem salário que pague. Sim, é uma luta diária ser professor, e eu fico muito feliz por ter a Uece em minha vida e poder ver a realização dos alunos, ver eles bem, concluindo seus cursos, passando em concurso, isso é um grande prazer!”, conta.

E são exatamente isso que ela leva da Uece consigo, as pessoas. “As centenas de pessoas que passaram por mim, que me devolveram muito, que me fizeram compreender uma vastidão de diferenças, pessoas com ideias diferentes, o sentimento de igualdade, o professor não é superior ao aluno nem vice-versa. Levo a compreensão de que a educação é um ato de respeito, de amor e de igualdade”.

E é com o sentimento de gratidão por tudo o que viveu na Uece, que deixa sua mensagem para os novos docentes. “Amem a universidade, vivam a universidade, se envolvam com todas as atividades que a docência oferece, de ensino, de pesquisa e de extensão. Lutem pela universidade pública, respeitem, lutem pela permanência de cada aluno e tenha responsabilidade”.

É também sobre responsabilidade o conselho que deixa para os novos estudantes: “Aproveitem a oportunidade. Vocês estão em uma universidade pública, que centenas e milhares de pessoas estão pagando e você precisa ter responsabilidade ao ingressar aqui. Aproveite esse momento, faça o seu melhor possível. Aqui você vai se formar, mas também vai conhecer muitas outras pessoas e conhecer o mundo. Aproveite!”