De criança autodidata a professor da Uece, uma história de sonhos realizados
5 de novembro de 2024 - 10:57
O sonho foi concretizado e, após 47 anos, professor Luciano Pontes está aposentado pela Uece
Era zona rural da cidade de Pacajus, Ceará. Uma família carente, com 12 filhos. Um deles era Antonio Luciano Pontes, menino esperto, mas que aos 11 anos de idade ainda não sabia ler nem escrever. Não por falta de interesse! Pelas calçadas, ele passava e observava com admiração aqueles que liam diariamente os jornais, e desejava fazer o mesmo, o que serviu de incentivo para começar a estudar.
“Eu tinha muita vontade de ler jornal e não sabia ler. Digo que fui analfabeto até os 11 anos. Aí, eu mesmo fui me matricular, sem saber ler. Eu fazia promessas para aprender. Quando comecei a ir para a escola, eu tinha muito medo porque minha memória era muito fraca. E, antigamente, tinha bolo na mão, quarto escuro cheio de esqueletos e eu tinha medo de alma”, contou rindo Luciano.
Todo esse medo somado ao desejo de aprender a ler fez com que Luciano passasse noites em claro no esforço para ler e decorar, para que na hora da leitura em sala, sua dificuldade fosse disfarçada pela memorização. A estratégia funcionou, não apenas para escapar das consequências, mas para aprender a ler, pelo menos o suficiente para pular de série.
“Eu passava as férias todas estudando dia e noite, pra pular. Mas aí, depois que pulei, a professora chamou a mamãe e disse: olha, o Luciano está muito fraco em português. Eu acreditava que fazendo cópia eu ia aprender português. Passava o dia todo copiando livro e depois mandando as pessoas editarem para eu escrever. Resultado: eu era muito magro, o lápis chegava a machucar o dedo. E a bunda, muito sequinha, ficava dormente. Mas não é que eu tirei o primeiro lugar em português!”, Luciano relembra com uma risada orgulhosa.
O jovem aprendeu, cresceu e se apaixonou pela Língua Portuguesa. Resolveu, então, fazer vestibular para Letras na Uece. Passou! “Entrei em 1974 como aluno de graduação em Letras da Uece. Sou genuinamente ueceano. Meu sonho era ser professor universitário e no meu primeiro dia de aula eu disse para mim mesmo: ‘eu vou ser professor daqui’”. Ele se dedicou a buscar esse sonho e conseguiu!
Um ano após sua formatura, Luciano foi convidado a ser professor na Fafidam, mas logo foi também selecionado para o campus de Fortaleza. Após um tempo, precisou escolher uma das unidades, então, escolheu ficar na capital.
Enquanto dava aulas na graduação, o docente buscou se aperfeiçoar, fez especialização, mestrado e doutorado. Mas, antes mesmo de concluir o último curso, começou a contribuir no desenvolvimento da pós-graduação stricto sensu na área, na Uece. Luciano foi docente do Mestrado desde o início do curso, que hoje integra o Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada (PosLA), do qual esteve à frente na criação do doutorado. “Eu fui a cabeça porque eu fiz até o projeto, com ajuda de um aluno, o Pedro Henrique. Fiquei à frente por quatro anos, até o doutorado ser aprovado pela Capes. Eu só soltei quando foi aprovado”, destaca o professor.
Sempre dedicado à área da fonética, professor Luciano se tornou referência na área em todo o Brasil. “Até hoje tem instituições que não tem professor para essa disciplina”, ressalta o docente. Ele se orgulha de hoje ver ex-alunos seus que também se tornaram referência e de sentir o carinho e o respeito das pessoas por onde passa. “Eu sou muito feliz por isso. Onde eu chego, é o pessoal me abraçando e tirando foto”, conta.
Diante de toda uma vida dedicada à Uece, professor Luciano, que agora está aposentado há pouco mais de um ano, deixa muito de si e leva muito da Uece. “Deixo um legado muito importante para a sociedade, acadêmica, inclusive. E levo saudade, porque me criei aqui, no CH. Eu pisei no chão do CH durante 50 anos”. Ele ressalta, ainda, o que a Uece representa em sua vida. “Devo tudo à Uece. Ela me deu a chance de entrar e de ensinar! Com um ano como professor, eu, que não tinha nada na vida, já tinha um carro novo, depois tive tudo que eu pensei, morar bem, construir uma família e tudo mais, tudo que eu desejei na vida eu consegui. Isso eu devo à Uece!”.
Mas se engana quem pensa que sua aposentadoria trouxe o afastamento da Uece, pois ele continua vinculado ao PosLA, como professor colaborador. “Sempre quis ser professor! Eu aprendo muito dando aula, porque assim a gente se obriga a estudar e se atualizar sempre”, reafirma o docente. Além disso, professor Luciano agora se dedica ao primeiro de três livros que pretende escrever. “Já comecei. O primeiro é um dicionário de termos da Linguística norte-americana”, revela o docente. E mais, o tempo livre está sendo também utilizado para cuidar da saúde e planejar viagens para rever os filhos.
No último mês de setembro, professor Luciano foi homenageado no Auditório do Centro de Humanidades, onde a Editora da Uece inaugurou seu projeto Café de Histórias, tendo o docente como o primeiro convidado. O professor, que foi conselheiro editorial da EdUECE, compartilhou histórias sobre sua trajetória de vida e de pesquisas e, em seguida, recebeu homenagem surpresa, de seus ex-orientandos, Glauber Moreira e Edna Araújo, que organizaram o livro Estudos do Léxico e suas interfaces: diálogos com a obra de Antônio Luciano Pontes, publicado pela EdUECE.
A esse grande docente, a Universidade Estadual do Ceará deixa sua homenagem e expressa aqui seu agradecimento por todos os anos de dedicação e contribuição!