“Desertificação nossa de cada dia” por Flávio Rodrigues do Nascimento
15 de maio de 2008 - 12:39
Instigante o tema do artigo publicado pelo Professor do Mestrado Acadêmico em Geografia, Flávio Rodrigues do Nascimento no Caderno Ciência e Saúde do Jornal o Povo no último domingo, dia 06. Confira o artigo na integra no site http://www.opovo.com.br/opovo/cienciaesaude/801721.html ou na página do MAG.
Desertificação nossa de cada dia
Flávio Rodrigues do Nascimento
Geógrafo
Qualquer estratégia desenvolvida no trato da semi-áridez, deve-se considerar a degradação ambiental e a seca imbricados à desertificação
05/07/2008 14:02 – Fonte: Jornal o Povo
O Nordeste (NE) da Sudene, 1.797.939 quilômetros quadrados, a região semi-árida do Fundo Constitucional de Financiamento do NE (FNE, 895.254,4 quilômetros quadrados) e mais recentemente o Bioma Caatinga (1.037.517 quilômetros quadrados) e a delimitação da área de atuação do Banco do Nordeste (1.775.036 quilômetros quadrados), constituem-se como algumas das tentativas das instituições públicas para dimensionamento do Nordeste Seco, tratamento das secas e enfrentamento da desertificação.
A proposta mais completa para tal questão, no entanto, é a delimitação das Áreas Susceptíveis à Desertificação (ASDs, 1.138.076 quilômetros quadrados). Esta delimitação baseia-se no Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-BRASIL), o mais completo documento nacional e um dos mais importantes do mundo no tratamento da questão; porém, após 4 anos de seu lançamento, o que se verifica em prol de sua função mais nobre são resultados pífios.
Além dos Núcleos de Desertificação no Brasil que são Gilbués-PI, Cabrobó-PE, Serido-RN e Irauçuba-CE, no Ceará são evidenciadas outras regiões problemáticas. Grandes evidências de degradação/desertificação ocorrem pelo empobrecimento e depredação de ambientes subúmidos secos, áridos e semi-áridos sob a ação combinada de contingências eco-climáticas e de atividades socioeconômicas. Qual o caso dos maciços úmidos (Serra das Matas, Uruburetama, Meruoca, Pereiro, Baturité etc.) e subúmidos (Serra do Machado, Quincoé etc.), sertões dos Inhamus, Médio Jaguaribe e Alto-Médio Acaraú.
Pensadas as vulnerabilidades econômica e natural, o panorama ambiental no Nordeste se mostra aterrorizante em face de desertificação. Independente das classificações, o Ceará se destaca como o estado da Federação que, proporcionalmente, tem a maior área de semi-aridez (92,1% de seu território). O mesmo detém gradientes de vulnerabilidade geoambientais por demais preocupantes.
Os recursos naturais sempre serviram de esteios à grande parte da população do semi-árido, dando-lhes o pão de cada dia. A oferta de ativos daqueles recursos está relacionada às potencialidades/limitações ambientais e aos tipos de usos ao longo de 350 anos de ocupação regional. Infelizmente há profundos sinais de degradação ambiental resultantes do uso indisciplinado dos recursos naturais ao lume de políticas econômicas e sociais niilista. As ações indiscriminadas dos produtores dos sertanejos contribuem para tornar recursos renováveis em não renováveis, provocando, por exemplo, o esgotamento dos solos, em razão do grau irreversível das alterações nos ambientes.
Os sertões das caatingas que foram historicamente, e por excelência, ocupados pela pecuária extensiva, agricultura de subsistência e o agroextrativismo, são, deveras, os ambientes mais afetados. As políticas de não-convivência com esse fenômeno, a pobreza e a falta de incentivo técnico ao produtor rural inflama a problemática. A auto-organização da biosfera tem existência inicial rara no semi-árido, resultante da relação conflituosa sociedade/natureza, traduzidas em processos de degradação com níveis irreversíveis de desertificação.
Há um descompasso brutal entre as funções normativa e fiscal do Estado no que tange à legislação ambiental aliada à incapacidade de suprir os direitos básicos do povo sertanejo à manutenção de um meio ambiente digno.
Qualquer estratégia desenvolvida no trato da semi-áridez, deve-se considerar a degradação ambiental e a seca imbricados à desertificação. Qualquer efeito combativo à seca não passa de tarefa infindável, mero romantismo, desconhecimento de causa ou demagogia! É mister desenvolver estratégias de convivência com as vicissitudes climáticas e respeito ao povo e suas ancestralidades. Pois, a “desertificação nossa de cada dia” é aquela que subjuga e acomete os povos sertanejos há décadas, que parece infindável mostrando-se, vindoura, e que não será resolvida ao deus-dará. Esperamos tomadas de ações sociais e político-econômicas proativas.
Flávio Rodrigues do Nascimento é doutor em Geografia e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece). frngeo2001@yahoo.com.br