RELATÓRIO: Seminário “A Defesa do Atlântico Sul”, de 16 a 19 de junho de 2015.
27 de julho de 2015 - 20:00
25 de julho, 2015
Entre os dias 16 e 19 de junho de 2015, pesquisadores de diversos estados e países se reuniram em Fortaleza a fim de discutir os rumos do projeto “A Defesa do Atlântico Sul no Contexto da Cooperação Brasil-África”. Aqui, vocês podem se inteirar dos debates, decisões e rumos que o projeto vai tomando à medida em que os pesquisadores se conhecem, trocam conhecimentos e discutem possíveis caminhos para esta cooperação.
O evento foi aberto para todo o público acadêmico, exceto pela quinta-feira, dia 18, quando os membros do projeto se reuniram para discutir assuntos mais pontuais e questões executivas do projeto.
Segue relatório da reunião.
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RELATÓRIO DO ENCONTRO DE PESQUISADORES DO PROJETO
A DEFESA DO ATLÂNTICO SUL NO CONTEXTO DA COOPERAÇÃO BRASIL-ÁFRICA
DATA: 16 a 19 de junho de 2015
LOCAL: Fortaleza – Universidade Estadual do Ceará (UECE), Campus do Itaperi; Redenção – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), Campus da Liberdade.
OBJETIVOS:
Integrar os pesquisadores responsáveis pela execução do projeto;
Debater trabalhos relacionados ao tema Defesa do Atlântico Sul;
Aprofundar referencial teórico e metodologia da pesquisa;
Definir atribuições de cada membro da equipe;
Elaborar cronograma de atividades.
PARTICIPANTES:
Aline Marques
Camila Costa
Carlos Brito
Bas’Ilele Malomalo
Eli Alves Penha
Fernando Afonso
Gustavo Guerreiro
Gustavo Feitosa
Henry Kam Kah
Herbert Ekwe-Ekwe
Manuel Domingos
Maurício Vieira
Mônica Martins
Paulo Visentini
Rafaelle Leite
Ricardino Teixeira
Rogério Goldoni
Sebastião André
Sued Castro
Viviane Caixeta
INTRODUÇÃO
Este relatório apresenta de forma sucinta os momentos importantes do encontro. Ressalta as principais contribuições dos pesquisadores, brasileiros e africanos, e dos funcionários das agências de fomento ao debate sobre a concepção de Defesa. Essa remete, necessariamente, a ideias como segurança, nação, Estado, política externa, cooperação internacional, dominação, neocolonialismo, dentre outras, as quais, por sua vez, ensejam grandes discussões. A controvérsia em torno do objeto da pesquisa deve-se ao fato de que definições teóricas trazem implícitos interesses variados e têm consequências políticas.
As percepções dos pesquisadores acerca desses temas podem ser apreciadas nos anexos. Eles contêm os trabalhos encaminhados por cada participante, seja o texto completo da palestra seja o esquema de apresentação. Alguns enviaram artigos já publicados, outros elaboraram documentos específicos para o evento. A diversidade de perspectiva teórica, conteúdo, forma e dimensão dos trabalhos, por um lado, enriquece a troca de experiências e conhecimentos, por outro, demanda esforço de coordenação para assegurar que os resultados do projeto sejam compatíveis com os objetivos e produtos propostos.
De modo a contextualizar o projeto no âmbito do Programa Álvaro Alberto, houve a apresentação das finalidades e ações dos órgãos públicos de fomento, seguida de exposição sobre o caráter teórico-conceitual da pesquisa com destaque às perguntas norteadoras, ao marco temporal e espacial, aos passos metodológicos, além de aspectos técnico-operacionais. Tendo em vista ser este encontro o ponto de partida de implementação do projeto, se buscou, ainda, definir atividades, responsáveis e prazos.
No tocante à programação do encontro, procurou-se a alternância entre mesas redondas, abertas ao público e que contaram com a presença de estudantes e professores da UECE e UNILAB, e reuniões direcionadas apenas aos pesquisadores, que implicavam em deliberações práticas acerca dos procedimentos da investigação. A visita à UNILAB, universidade com significativo contingente de africanos de diferentes nacionalidades e que vem partilhando iniciativas acadêmicas com a UECE, teve ampla repercussão e, certamente, irá contribuir com as reflexões pertinentes à pesquisa sobre a defesa do Atlântico Sul.
DESENVOLVIMENTO
Na abertura do evento, os participantes foram recebidos pelo reitor da UECE, Jackson Sampaio, e pela chefe de gabinete, Josete Sales. Após breve relato sobre a história da universidade, suas características (interiorização, formação de professores, internacionalização) e ações, os pesquisadores se apresentaram, tendo início uma conversa informal. A atividade foi importante para dar maior visibilidade ao projeto e, consequentemente, obter maior apoio institucional, além de constituir uma oportunidade dos visitantes se informarem acerca da entidade coordenadora da pesquisa (ANEXO 1).
À tarde, Sued Lima coordenou a primeira mesa do encontro (16/06). Manuel Domingos refletiu sobre o tema “Políticas de Defesa e Segurança no Século XXI” (ANEXO 2), enfatizando fundamentos norteadores deste projeto. Alertou para a necessidade de a academia estudar com mais afinco a guerra e as corporações militares para poder discutir, entre outras questões, a drenagem de riquezas da África pelo capitalismo e por uma pretensa ordem internacional, assentada em Estados nacionais. Concluiu afirmando que o maior desafio para o Brasil na defesa do Atlântico Sul é a superação da mentalidade colonial de suas elites que reservaram esse imenso espaço aos desígnios imperialistas. Em sua exposição intitulada “Cooperação Brasil-África” (ANEXO 3), após historiar as relações entre as duas margens do Atlântico Sul, Paulo Visentini ressaltou o pouco conhecimento que existe sobre a área da defesa, em particular, e o continente africano, de modo geral. Tal ponderação coloca a urgência de superar as narrativas existentes no Brasil sobre a África e aprofundar os contatos com a intelectualidade dos países objeto desta pesquisa. Por fim, Eli Penha discorreu acerca da “Geopolítica do Atlântico Sul” (ANEXO 4), ou melhor, da Oceanopolítica, neologismo que adota por acreditar ser mais indicado para a realidade do projeto em apreço. Assinalou em sua fala as transformações em curso no Atlântico Sul desde a Guerra Fria, a atuação recente de atores externos e as dificuldades enfrentadas pelos países ribeirinhos para estabelecer uma visão integrada de segurança regional.
A segunda mesa (17/06), moderada por Gustavo Guerreiro, contou com a presença dos dois pesquisadores africanos, os quais fizeram suas palestras em inglês, sendo auxiliados na tradução por Camila Costa e Mônica Martins. “Recursos Naturais, conflitos e insegurança” (ANEXO 5) foi o tema desenvolvido por Henry Kah, tendo como fundamento sua própria vivência na região do Golfo da Guiné. Seu entendimento é de que a ineficaz gestão dos recursos humanos e naturais, alimentada por políticas neoliberais e pressão das antigas metrópoles europeias, acarreta o não aproveitamento do potencial do ecossistema com graves consequências para a população local. Herbert Ekwe-Ekwe abordou um assunto polêmico “Povos, Estados e Insurgência Islâmica na África contemporânea” (ANEXO 6), trazendo informações e instigantes reflexões a respeito do silêncio nos meios de comunicação e nos círculos acadêmicos ocidentais quando se trata da morte de africanos, em contraste com, por exemplo, a França. Para ele, isso significa que as vidas humanas não têm o mesmo valor em todo lugar e que o Estado na África (“post Berlin-state”) se mostra incapaz de prover segurança e serviços sociais para seus cidadãos. Ambos os palestrastes acreditam que as riquezas ou o Estado nacional tem sido uma “maldição” para o Continente e defendem que os processos de transformação das sociedades africanas, com suas distintas histórias, culturas, aspirações e visões de mundo, devem ter como atores seus próprios povos.
As perguntas e intervenções do público presente nas duas mesas geraram alguns pontos importantes a serem considerados pela equipe no desenvolvimento da pesquisa, a saber:
- O que é o Estado africano? Como ter acesso aos dados existentes em Cuba, país que acumulou significativo conhecimento sobre a África?;
- Os “Estados falidos” e sua relevância para a economia política internacional;
- As nações existem na África, mas não há sentido em pertencer a Estados genocidas;
- As migrações e seu significado atual;
- A noção de “tribo” é questionável e não ajuda no entendimento dos povos tradicionais ou nativos;
- Definição das possíveis ameaças ao Atlântico Sul;
- Ocupação de ilhas no Atlântico Sul;
- Análise da presença de potências estrangeiras no continente africano: EEUU, França, Inglaterra, Rússia, China, Brasil;
- O papel da Quarta Esquadra e do Africom;
- “Terrorismo” islâmico;
- O desempenho da política externa brasileira para a África: desconhecimento geral sobre as características dos países africanos e preparação deficiente dos adidos militares (que tipo de estabelecimento poderia assumir tal tarefa?).
Coordenada por Sebastião André, a terceira e última mesa (19/06) do encontro atraiu grande número de participantes ao auditório do Campus Liberdade. Fernando Afonso abriu a sessão “O papel da Unilab na defesa do Atlântico Sul”, apresentando a recente trajetória da instituição internacional de ensino superior, localizada em Redenção, e os desafios que enfrenta no cumprimento de sua missão. Originada no âmbito da CPLP, a iniciativa brasileira vem se constituindo em uma experiência singular de trocas de saberes e culturas entre nações de três continentes, no que pesem as dificuldades em concretizar alguns dos objetivos definidores da Instituição. Pensar a defesa não de territórios e Estados, mas das populações, e pensar o Atlântico Sul a partir da cooperação solidária, foi a tese defendida por Bas´Ilele Malomalo em sua palestra “A crítica africana diante do papel da Unilab na defesa do Atlântico Sul” (ANEXO 7). A solidariedade, argumentou, é um conceito basilar das culturas africanas com consequências éticas e políticas. Assim, caberia aos intelectuais africanos que trabalham na Unilab construir agendas críticas e alternativas que atendessem os interesses de seus povos e do Brasil, conforme o princípio de cooperação solidária. Na sequência, Ricardino Teixeira falou da necessidade de cooperação entre os países africanos e o Brasil na área de defesa e segurança bem como do controle civil democrático sobre os militares. Essas ideias constituíram o núcleo da exposição “Militarismo e democracia na África e América Latina” (ANEXO 8), enriquecida com formulações teóricas de pensadores africanos e latino-americanos. Acerca do projeto “A defesa do Atlântico Sul”, foi questionado até que ponto não expressaria a expansão brasileira na África, em moldes tradicionais?
Rogério Goldoni trouxe dados e mapas sobre as bases militares, efetivos e despesas na África. Falando de improviso, Paulo Visentini ponderou acerca de diversos aspectos relacionados ao parco conhecimento da história e da realidade atual do Continente na academia. Apenas recentemente estudos mais aprofundados, a exemplo dos realizados pelo Cebrafrica/UFRGS, têm despertado atenção da sociedade e se contraposto à narrativa europeia dominante nos círculos políticos, diplomáticos e intelectuais.
Complementando as três mesas abertas ao público e que ensejaram debates, ocorreram intervenções pontuais com o objetivo de permitir que a equipe tivesse um momento para aprofundar o referencial teórico da pesquisa. Os assuntos tratados foram: (1) conceito ampliado de defesa, sob a responsabilidade de Rogério Goldoni; (2) Segurança e Zopacas: o processo de securitização (ANEXO 9), tema abordado por Maurício Vieira; (3) Convenções da ONU sobre Direito Marítimo (ANEXO 10), objeto de investigação de Gustavo Feitosa; (4) O Comando Sul e a IV Esquadra Naval dos Estados Unidos: implicações para a defesa do Atlântico Sul (ANEXO 11), texto preparado por Camila Costa a partir de demanda feita durante reunião preliminar da equipe do Ceará em 07/04/15.
Estava prevista, ainda, a apresentação do diagnóstico de Guiné-Bissau (ANEXO 12) que não ocorreu em função de viagem a trabalho do pesquisador D’Mari Sanca. Em decorrência, ficou prejudicada a discussão sobre os parâmetros para elaboração de diagnósticos, o que será realizado posteriormente. Quanto aos países objeto do estudo, se sugeriu incluir Cabo Verde e Namíbia e retirar a República Democrática do Congo, que constava na proposta original. O próximo passo foi a exposição, comentada por Mônica Martins e moderada por Viviane Caixeta, dos objetivos específicos, etapas metodológicas e resultados do projeto. Devido ao fato de no momento de definir atribuições e cronograma de atividades estarem participando apenas três pesquisadores do Ceará, os presentes assumiram as seguintes tarefas com prazo para sua execução:
1. Criar email do grupo de pesquisa na internet para compartilhar trabalhos – Camila (julho)
Manuel Domingos – Defesa e Segurança no século XXI;
Paulo Visentini – Cooperação África-Brasil;
Eli Penha – Geopolítica do Atlântico Sul;
Rogério Goldoni – Conceito Ampliado de Defesa;
Gustavo Feitosa – Conceito de defesa marítima no âmbito da Convenção da ONU;
Maurício Vieira – Zopacas;
Herbert Ekwe-Ekwe – Peoples, states and Islamic insurgency;
Henry Kah – Resources, conflicts and insecurity in XXI century Gulf of Guinea;
D’Mari Sanca – Diagnóstico da Guiné Bissau,
Camila Costa – IV Esquadra e SouthCom
2. Indicar bibliografia para revisão de literatura – Paulo e Henry (início de agosto), Eli e Herbert (outubro);
3. Propor modelo e parâmetros para diagnóstico de país – Mônica e Sued (final julho)
4. Elaborar diagnóstico dos países objeto da pesquisa
África do Sul – Paulo
Angola – Paulo
Argentina – Camila
Brasil – Rogério
Cabo Verde – Eli
Camarão – Henry
Guiné-Bissau – Sanca
Namíbia – Eli
Nigéria – Herbert
5. Organizar questionário para militares africanos e adidos militares brasileiros – Rogério (final de agosto)
6. Preparar textos para nivelamento conceitual da equipe
Segurança e Defesa – Rogério
Estado nação – Mônica
Conjuntura Global no século XXI – Paulo
Terrorismo e contraterrorismo – Camila
7. Definir responsabilidades dos pesquisadores do Ceará (julho)
CONCLUSÃO
O Encontro permitiu aprofundar reflexões sobre conceitos-chave para estudo das iniciativas diplomáticas e das Forças Armadas por parte dos países da Costa Atlântica, direcionadas ao desenvolvimento de políticas comuns de defesa e proteção de suas riquezas naturais. Evidenciou, ainda, a disposição e a seriedade de propósitos da equipe multidisciplinar, composta por pesquisadores brasileiros e africanos, em realizar um projeto estratégico no contexto das relações Brasil-África. A experiência foi proveitosa, motivando a troca de ideias sobre um mesmo tema e, acredita-se, propiciará a geração de novos conhecimentos sobre Defesa.
Participaram especialistas de diversas áreas, além de representantes da sociedade civil, da corporação militar, estudantes e agentes de fomento. A presença de funcionários do Instituto Pandiá Calógeras e do CNPq, entidades parceiras do programa Álvaro Alberto, foi benéfica na medida em que possibilitou o acompanhamento dos momentos iniciais de um projeto financiado com recursos públicos. Os dois técnicos colaboraram com orientações visando o bom andamento da pesquisa. A comunicação bilíngue (português/inglês) e a infraestrutura refletiram o esforço da rede de pesquisa Observatório das Nacionalidades, sediada no Mestrado de Políticas Públicas e Sociedade da UECE, para a realização do Encontro.
No geral, os resultados foram positivos e, parcialmente alcançados, no tocante à distribuição das tarefas e cronograma de atividades, etapa a ser posteriormente cumprida pela coordenação junto aos pesquisadores do Ceará. O grande desafio deste projeto que envolve acadêmicos e grupos de pesquisa, situados em lugares diversos, com diferentes concepções, conteúdos e contribuições, é a manutenção dos seus objetivos, ou seja, o foco na área de defesa do Atlântico Sul.