ARTIGO: “Ventos que virão”, de Monica Martins, publicado em O Povo de 21 de julho.
26 de julho de 2015 - 19:50
22 de julho, 2015
Eis artigo de Mônica Martins, intitulado “Ventos que virão”, publicado no O Povo do dia 21 de julho.
Pode também ser acessado através do link < http://www.opovo.com.br/app/opovo/mundo/2015/07/21/noticiasjornalmundo,3472950/ventos-que-virao.shtml >
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Ventos que virão
Em meados de junho reuniram-se no Ceará pesquisadores africanos e brasileiros, juntamente com colegas do Instituto Pandiá Calógeras (Ministério da Defesa) e do CNPq, para debater a relevância geopolítica do Atlântico Sul no atual quadro de tensões mundiais. As águas que banham o Brasil e as repúblicas africanas, além de importante rota de navegação e de comércio global, guardam imensas riquezas naturais, com destaque para o petróleo e os recursos pesqueiros. Seu domínio é objeto de disputas entre as grandes potências, particularmente acirradas com a corrida armamentista durante a Guerra Fria.
Trata-se de assunto que parece distante e pouco atraente para a opinião pública. No entanto, o silêncio sobre uma matéria costuma ser tão revelador de sua importância quanto o bombardeio de notícias sobre outra. Haveria algo mais engenhoso para resguardar as tramas dos que pretendem moldar o futuro da humanidade segundo os interesses dos poderosos? Que motivos levariam os meios de comunicação e políticos ocidentais a atenuar as recorrentes agressões à soberania das nações sul-atlânticas, como mostram a Guerra das Malvinas, a pesca predatória no golfo da Guiné, a poluição causada pelo vazamento de óleo e pela descarga de material radioativo e lixo nuclear no oceano?
Contrariando intenções dos EUA que almejavam uma organização gêmea da beligerante Otan, em 1986, a Assembleia Geral da ONU aprovou a formação da Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul/Zopacas, fruto de esforços diplomáticos do Brasil, da Nigéria e de Angola. Embora reconhecida pela comunidade internacional como um mecanismo valioso para promover valores democráticos, desenvolvimento socioeconômico e proteção ambiental, tal iniciativa tem sofrido constrangimentos, cada vez maiores, de países e instituições internacionais comumente do Hemisfério Norte.
A pretexto de garantir a segurança internacional e combater o terrorismo, os Estados Unidos criaram o US Africa Command, em 2007, e reativaram a IV Frota um ano depois, suscitando desconfianças nos governos africanos e sul-americanos quanto às pretensões intervencionistas destes instrumentos militares, prontos a inibir tentativas de integração regional e políticas conjuntas de aproveitamento dos recursos humanos e naturais em benefício das populações locais.
O problema no Atlântico Sul tornou-se ainda mais delicado com o aumento da insegurança em áreas como o delta do rio Niger, o golfo de Benin e o enclave de Cabinda (Angola). Os conflitos na África Subsaariana se agravaram em 2013, com a invasão ao Mali pelo Exército francês e o anúncio do envio de tropas estadunidenses para 36 países do Continente. Isso decorre, em boa medida, do poderio bélico dos Estados Unidos e da França, únicos detentores de porta-aviões nucleares, que juntamente com a China, Inglaterra e Rússia, constituem os estados com maiores gastos militares. Mesmo assim, têm sido impotentes para combater as ofensivas do Boko Haram, que desde 2014 ocupa a região Norte da Nigéria, abrangendo cerca de metade do seu território, e mantém fortes vínculos com o Estado Islâmico, o que inclui recrutamento e formação de militantes, propaganda ideológica e ações armadas, entre outros.
Até o momento, os esforços visando construir uma aliança Sul-Sul têm sido esparsos e descontínuos, inclusive nos círculos acadêmicos responsáveis por inovações cientifico-tecnológicas e ideias para subsidiar os gestores públicos. Como superar a mentalidade colonial das elites, alimentada por políticas neoliberais e pressões das antigas metrópoles europeias, que reservaram o Atlântico Sul aos desígnios imperialistas? Não por outra razão inexiste um pensamento estratégico de defesa próprio nos países sul-atlânticos que persistem reféns das deliberações daqueles que detém tecnologias e armas. Exercendo um papel de liderança na Zopacas, o Brasil ainda não pratica uma política externa em que o Atlântico Sul seja de fato eixo prioritário de nossa inserção internacional.
Saímos do encontro de pesquisadores mencionado no início deste artigo com disposição para encarar desafios. Aos ventos que virão, filme de 2013 do cearense Hermano Penna, saúda a obstinação de um jovem cangaceiro em sua luta contra as oligarquias. Tal como o cineasta, acreditamos que a transformação das sociedades sul-atlânticas, com suas distintas histórias, culturas, aspirações e visões de mundo, tem como atores seus próprios povos.
“A Assembleia Geral da ONU aprovou a formação da Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul/Zopacas”
“Os conflitos na África Subsaariana se agravaram em 2013, com a invasão ao Mali pelo Exército francês”
“Não por outra razão inexiste um pensamento estratégico de defesa próprio nos países sul-atlânticos”
Monica Dias Martins e Sued Castro em visita à UNILAB por ocasião do
seminário”A Defesa do Atlântico Sul”
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Mônica Dias Martins é professora da UECE e
coordenadora do Observatório das Nacionalidades