ARTIGO: “Os Fundamentalistas”, de Sued Castro, publicado em O Povo de 03 de agosto.
3 de agosto de 2015 - 11:46
03 de agosto, 2015
A seguir, artigo de Sued Castro, intitulado “Os Fundamentalistas”, publicado no O Povo do dia 03 de agosto.
Pode acessado também através do link < http://www.opovo.com.br/app/opovo/mundo/2015/08/03/noticiasjornalmundo,3478320/os-fundamentalistas.shtml >
……………………………………………………………………………………………………………………….
Os fundamentalistas
Dos diversos entendimentos sobre o que seja fundamentalismo pode-se extrair um conjunto de conceitos que ajudam a compreender essa doutrina sectária que seguidamente promove fraturas na paz mundial. Via de regra associada a dogmas religiosos, sua origem é identificada com o surgimento do movimento de cristãos conservadores dos EUA, ao final do século XIX, como reação ao suposto fato de que os valores morais religiosos estavam sendo corroídos pela modernidade, com nefasta influência na sociedade de então.
Sua evolução ao longo de décadas fez com que esses princípios chegassem aos dias de hoje com caracterização que abandona parcialmente a essência religiosa e ganha reforço em questões étnicas, políticas, econômicas e culturais, tendo em comum a busca da consolidação de suas crenças como verdades absolutas, sem permitir espaço para a controvérsia. Quem tem Deus ao seu lado, seja qual for a divindade, tudo pode: a destruição de Estados pagãos, a opressão de outros povos e a eliminação física dos inimigos. Em outras palavras, os diversos modelos de fundamentalismo são definitivamente avessos à democracia.
A orquestração sobre o tema que se verifica na atualidade produziu uma sutil alteração de foco ao atribuir elevado grau de exclusividade dessa extremada visão de mundo aos islâmicos e suas ações violentas, a se repetirem amiúde em diversas regiões do planeta.
A História testemunha o fato de que nenhum dos grandes profetas das religiões globais pregou a extinção de humanos que professassem outros credos e isso se tornou detalhe incômodo para os fundamentalistas. Exemplo notável de convivência harmoniosa foi o domínio dos mulçumanos na Península Ibérica ao longo de 800 anos, de 711 a 1492 da era cristã, que se caracterizou pelo respeito às crenças e culturas cristãs e, surpreendentemente, hebraicas.
Não por coincidência, o nascimento do fundamentalismo é contemporâneo do surgimento da doutrina do Destino Manifesto, segundo a qual o povo dos Estados Unidos foi eleito por Deus para civilizar o continente americano. Assim, a política expansionista do país nada mais é que a expressão da vontade divina. Recentemente, na campanha presidencial de 2012, o candidato republicano Mitt Romney afirmou que Deus não criou os EEUU para ser uma nação de seguidores, mas sim para conduzir o mundo. Tal postura permite que o governo assuma na agenda de política externa do Departamento de Estado o seu objetivo de criar um mundo seguro para o benefício dos cidadãos estadunidenses (ou seria das empresas norte-americanas?).
Dando consequência à estratégia de projeção de poder pré-definida por seu país e sem se deter ante o grau de tensionamento provocado, em junho passado o Secretário de Defesa Ash Carter percorreu a fronteira entre a Estônia e a Rússia anunciando o deslocamento para a região de armamento pesado, incluindo 250 tanques de guerra. A resposta russa foi anunciar que iria adicionar cerca de 40 mísseis balísticos intercontinentais ao seu arsenal nuclear ainda em 2015.
Já a 10.000 km de Washington, em Jerusalém, o povo escolhido por Deus é outro, os judeus, e em nome do Supremo tudo é permitido: usurpar territórios palestinos; declarar sua capital a cidade santa, mesmo sem o reconhecimento e sob o repúdio da comunidade internacional, manter quase 2 milhões de pessoas no campo de concentração chamado Gaza, onde mais de 100.000 vivem em escombros produzidos pela guerra de extermínio desfechada há um ano, e vetar a entrada nesse mesmo território de comissão da ONU designada para investigar os crimes de guerra perpetrados pelo exército invasor, uma vez mais, por ocasião do último ataque.
Essa comissão foi comandada pela jurista estadunidense desembargadora Mary McGowan Davis e, após três meses de trabalho, concluiu que, apesar de ambos os lados terem cometido crimes de guerra, os israelenses ficaram com a responsabilidade maior por conta da desproporcional e devastadora extensão de seus ataques.
Enfim, falcões estadunidenses, sionistas israelenses, a Al-Qaeda árabe, o Boko Haram nigeriano, o Estado Islâmico iraquiano com suas sub-ramificações e o Al Shabaab somali compõem entidades sociais movidas por princípios similares, como a grandeza de suas causas e a justeza inatacável de suas ações.
E o sofrimento que provocam em populações inteiras? Ora, são apenas danos colaterais…
Sued Lima é Coronel Aviador RR e
Pesquisador do Observatório das Nacionalidades