ARTIGO: “A América para os Americanos”, de Eli Penha, publicado em O Povo de 17 de agosto.
26 de agosto de 2015 - 12:01 #Benedict Anderson #Simpósio
18 de agosto, 2015
A seguir, artigo de Eli Penha, intitulado “A América para os Americanos”, publicado no jornal O Povo do dia 17 de agosto.
Pode acessado também através do link <http://www.opovo.com.br/app/opovo/mundo/2015/08/17/noticiasjornalmundo,3488020/a-america-para-os-americanos.shtml >
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A América para os Americanos
Em declaração oficial de 17 de dezembro de 2014, o Presidente dos Estados Unidos (EUA) Barack Obama, restabeleceu oficialmente as relações diplomáticas com Cuba, destacando que a barreira ideológica e econômica entre os dois países, criada 1961, não fazia mais sentido nos dias atuais. Ao abrir o seu discurso, Obama disse que os EUA pretendiam criar um novo capítulo nas relações mútuas e concluiu, afirmando em espanhol, que “todos somos americanos”.
Do ponto de vista do regime cubano, as premissas socialistas pautadas na luta de classes e na emancipação dos povos têm se mostrado atuais, sobretudo se consideradas as profundas transformações sócio-políticas verificadas no continente desde o início deste século, das quais o próprio Obama, como primeiro presidente afrodescendente dos EUA, é um dos principais resultados.
Nessa mesma direção, inclui-se o movimento bolivariano liderado por Hugo Chaves e seu sucessor Nicolas Maduro, na Venezuela, que junto com Rafael Corrêa, do Equador, e Evo Morales, da Bolívia, são os mais influentes expoentes de uma nova geração de governantes populares de origem mestiça e indígena. Morales, eleito em 2005, é reconhecidamente o primeiro chefe de Estado eleito como representante legítimo da comunidade indígena de seu país e que, simbolicamente, passou também a representar toda a população ameríndia do continente.
Outros exemplos notáveis destas transformações sócio-políticas, foram as eleições do líder sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva e da ex-guerrilheira Dilma Rousseff, no Brasil, do casal Nestor e Cristina Kirchner, na Argentina, e de Michele Bachelet, no Chile, que se destacam pelo desenvolvimento de políticas governamentais com forte conteúdo social. Nesse sentido, aparecem como verdadeiros representantes de grandes estratos da população até então invisíveis no panorama político do continente e que se viram emersos da “América profunda” para assumir a condução dos seus respectivos governos nacionais.
Entretanto, movimentos reacionários a essas mudanças têm se insurgido com grande ímpeto, interpondo-se na continuidade dos programas sociais desses governos. O fator persistente ainda são os propalados “interesses irreconciliáveis” que se manifestam tanto na frente continental quanto no âmbito nacional de cada um desses países.
No plano continental, as duas frentes históricas do movimento de unidade do continente, o quase bicentenário monroismo e o jovem bolivarianismo, têm se manifestado de forma contundente na atualidade. Em 9 de março de 2015, quase três meses depois do anúncio do reatamento com Cuba, o presidente Obama anunciou sanções contra autoridades venezuelanas, acusando-as de violações de direitos humanos. Em ordem executiva, a Casa Branca se disse profundamente preocupada com a intimidação de opositores políticos, por parte do governo venezuelano e declarou a Venezuela uma “ameaça à segurança nacional” norte-americana. As sanções qualificariam a Venezuela como “adversário primário” dos EUA no continente, substituindo Cuba. Ao eleger a Venezuela como seu principal opositor no continente, os EUA favorecem o confronto direto com o grupo de países organizados em torno da ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), da qual governo venezuelano é a principal liderança.
No plano interno das sociedades americanas, observa-se a mesma dificuldade em buscar o consenso, por conta da forte pressão exercida pelos grupos contrários aos governos eleitos. No Brasil, Argentina, Chile e Venezuela, as forças de oposição têm criado sérios problemas de governabilidade, colocando em risco a continuidade dos programas sociais que têm sido a marca dos atuais governos. Nos EUA, a expectativa gerada pela construção de uma ordem social pós-racial inaugurada com a eleição de Obama, caracterizada pela rejeição às práticas discriminatórias e divisões raciais que até então caracterizavam a vida política e social do país, tem sido duramente solapada pelos crescentes incidentes raciais, envolvendo o assassinato de membros da comunidade negra em várias cidades do país.
“A América para os americanos!”, o lema lançado pelo Presidente James Monroe em 1823, significou o reconhecimento de uma identidade comum, forjada no contexto das lutas de libertação nacional do julgo colonial europeu. Os povos americanos conquistaram a independência política, mas a luta por soberania e justiça social, ainda continua.
Eli Alves Penha é Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e colaborador do Observatório das Nacionalidades