ARTIGO: “Argentina Sob um Governo de Direita”, de Estebán Vernik, publicado em O Povo.
20 de abril de 2016 - 00:07
14 de março, 2016
Segue em anexo artigo do professor argentino Esteban Vernik (com tradução da Olga Benario) publicado no O Povo do dia 14 de março de 2016.
Pode ser acessado também através do link < http://www.opovo.com.br/app/opovo/mundo/2016/03/14/noticiasjornalmundo,3588006/argentina-sob-um-governo-de-direita.shtml >
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Argentina Sob um Governo de Direita
Aos noventa e cinco dias do governo do presidente Maurício Macri, na Argentina, surge a pergunta de como é possível que um governante cujas primeiras medidas foram marcadamente tão antipopulares e antinacionais se mantenha com altos níveis de aceitação.
Se comparada a situação desde a chegada do novo líder com a do período anterior, se constata de forma elementar o seguinte quadro: em pouco mais de três meses se produziu uma enorme transferência de recursos econômicos dos setores mais pobres para os mais ricos. Essa operação decorre principalmente de uma combinação entre os processos em curso de desvalorização da moeda nacional e alta inflação à qual se somam os aumentos marcantes na energia (luz, gás e combustível), nos alugueis de imóveis e também – algo que afeta muito a classe média – nos sistemas privados de saúde e educação. O panorama se completa com a abertura não tarifada de importações, que impacta de modo direto a indústria nacional, especialmente a média e pequena, e o anunciado endividamento externo, a partir da disposição de voltar ao mercado financeiro internacional.
Presidente Obama em visita à Argentina
Em relação aos danos para a classe trabalhadora, o aumento de preços até agora registrado se completa com as milhares de demissões realizadas nesse período tanto no âmbito do emprego público como do privado. Agregue-se, ainda, o anúncio de ações repressivas pelo governo com um novo “protocolo de segurança”, que autoriza as forças policiais a atuarem nas manifestações de rua que interrompam por mais de cinco minutos o tráfego de veículos.
Tudo isso contrasta com os doze anos do governo anterior, cujas principais características foram a ampliação do consumo popular, o estabelecimento de discussões salariais livres e paritárias para por setor, a negociação soberana da dívida externa e uma política internacional contrária à hegemonia estadunidense e, em âmbito mais geral, a luta contra o colonialismo. A esta síntese é importante acrescentar as políticas ativas em matéria de “memória, verdade e justiça”, que buscam o esclarecimento e punição dos crimes do terrorismo de Estado perpetrados durante a última ditadura militar.
Por que, então, a sociedade argentina votou e, em grande medida, se identifica com um governo como o de Macri? Talvez, algumas pistas possam ser encontradas na operação ideológica que este governo realiza, utilizando estruturas de forte sentido simbólico, das quais o discurso o novo presidente se apropria invertendo seu sentido original de luta. Um exemplo ocorreu na campanha eleitoral, quando Macri convocou a realização de um “Cordobazo informático”, tomando para si o símbolo do primeiro movimento conjunto de operários e estudantes que aconteceu nos anos sessenta, em Córdoba, contra a ditadura militar, e que abalou os alicerces do regime. Macri buscou usar o apelo da rebelião para uma suposta defesa da modernização tecnológica.
De maneira semelhante, em relação às políticas de “memória, verdade e justiça” mencionadas anteriormente, que foram bandeira ativa durante o período kirchnerista, o cúmulo a que Macri se permitiu foi declarar em recente entrevista à imprensa norte-americana que ele será um defensor, no âmbito mundial, dos direitos humanos, e que por isso condena a Venezuela. A inversão fetichista que, nesse sentido, seu discurso pratica, completa-se com a anunciada recepção ao presidente Obama, no próximo 24 de março, dia em que na Argentina será recordado o 40º aniversário do golpe de Estado de 1976. A presença do presidente dos Estados Unidos no evento se constituirá em uma farsa a mais do atual governo argentino.
Esteban Vernik é professor da Universidade de Buenos Aires
e colaborador do Observatório das Nacionalidades
Tradução: Olga Benario