Artigo – Regramento da inovação no Brasil e efetividade das disposições constitucionais

3 de abril de 2018 - 09:55

Há uma considerável correlação entre o crescimento econômico e os investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação, e assim entendeu a Lei nº 13.243/16 intitulada de Código de C, T&I ou novo Marco Legal de Inovação ao eleger, em seu artigo 2º, a promoção das atividades científicas e tecnológicas como estratégias para o desenvolvimento econômico e social. No mesmo espírito seguiu o recente Decreto nº 9.283 de 07 de fevereiro de 2018, cuja finalidade expressa é regulamentar as disposições daquele, a partir do objetivo governamental de incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional.

Mesmo com todas essas alterações legais, há diversos entraves e dificuldades na relação desenvolvida entre Entes Públicos, seja ele uma Universidade, Instituto de Pesquisa ou a União por exemplo, e a Iniciativa Privada, o que torna o desafio de inovar no Brasil uma constante. Na realidade, a Lei de Inovação já possuía determinações mais flexíveis e adequadas ao setor e que não foram plenamente efetivadas, a exemplo das que dispensavam a licitação para algumas contratações lá relacionadas. Assim, vemos que a Lei não basta, é preciso mudar a concepção jurídica, principalmente dos órgãos de controle que, muitas vezes, acabam efetivando os entraves em questão.

Também é notório que a expansão das atividades de CTI e o investimento na área, no Brasil, ainda se encontra em patamar mediano, sendo o excesso de entraves formais e legais um de seus motivos. Como parte do movimento de fomento à inovação surgiram diversas alterações legais nos últimos anos, como a Emenda Constitucional nº 85/2015 e o Código de C,T&I, com foco na promoção de uma verdadeira revolução legal no setor, objetivo que a Lei de Inovação não conseguiu efetivar por inteiro.

A questão é muito mais ampla do que uma mera desconfiança institucionalizada dos órgãos de controle, há que se concordar que as leis precisam e devem ser respeitadas, contudo, a visão legalista absoluta engessa a gestão pública e a própria inovação. É fato que as leis não podem abarcar todas as inúmeras situações fáticas submetidas aos gestores, e no vácuo, na dúvida, como ousar inovar juridicamente? Não há resposta certa para essa pergunta, mas a constatação é que precisamos mudar não só a Lei e sim as concepções jurídicas e interpretativas de quem as aplica ou acima de tudo fiscaliza.

O novo regramento veio com a responsabilidade de ser uma das maiores reestruturações da área desde 2004 quando foi promulgada a Lei de Inovação (10.973/04), a qual regulamentava a antiga redação dos Arts. 218 e 219 da Constituição Brasileira. E nesse sentido foram realizadas as discussões legislativas, as quais mencionaram dois pontos muito relevantes para os ambientes de inovação, a integração com o setor privado e maiores flexibilizações do que as previstas na Lei de Inovação.

Tais dimensões sobre a articulação entre entes públicos e privados com foco na inovação não encontravam amparo, de maneira detalhada e expressa na Constituição, problema que foi resolvido com a chamada Emenda da Inovação (EC nº 85/2015), que efetivou o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI). Estavam estabelecidas as bases para o novo Código de C, T &I, inovação passou a ser objetivo constitucional.

Nessa mesma linha, a Constituição passou a determinar que era obrigação estatal promover e incentivar o desenvolvimento, a pesquisa e inovação, que deveriam receber tratamento prioritário. E disse mais, a parceria entre público e o privado com foco na inovação seria estimulada nas diversas esferas de governo. O então PL nº 2.177/11 passou a ostentar o status de regulamentação das novas diretrizes constitucionais, possibilitando sua aprovação depois de longos anos de discussões legislativas e hoje, como novo Marco Legal, incentiva uma vertente vital para Parques Tecnológicos: a integração de empresas privadas ao sistema público de pesquisa, com a intermediação dos ambientes de inovação.

Os exemplos das dificuldades de aplicabilidade são infinitos e velhos conhecidos de quem trabalha na área, a própria Lei de Inovação estabelecia mecanismos específicos de estímulo à interação de Entes Públicos com Empresas, e não foi suficiente para alterar a dinâmica do ambiente legal relacionado à pesquisa e desenvolvimento. As razões poderiam se relacionar à ausência de definições legais claras sobre as práticas e o modo de gestão da inovação em Instituições de Ciência e Tecnologia – especialmente as de natureza pública – em parcerias com Instituições privadas.

Tanto a Lei de Inovação como o novo Código disciplinam as ações dos Entes Públicos, o que se torna especialmente relevante considerando que a natureza dos ambientes de inovação brasileiros – incluídos Parques Tecnológicos e Incubadoras – tem alguma interface pública, em sua maioria. O fato de prevalecer a legalidade estrita em muitas ocasiões no modelo jurídico do setor público brasileiro, em situações dúbias ou incertas das leis, temos como consequência a perda de oportunidades e desenvolvimento nesses ambientes de inovação.

O efeito da atuação fiscalizatória em postura legalista é significativo, pois ignora o controle de resultados imposto pela nova Lei em seus artigos 27 e Art. 27-A, os quais estabelecem novas diretrizes de priorização, simplificação da burocracia e inserção do controle de resultados. Como efeito da legalidade estrita como regra, poderíamos citar o engessamento da atuação de Entidades públicas que têm por missão institucional as atividades de pesquisa, e de outras instituições relevantes que atuam em parceria com estas, como as Fundações de Apoio e Associações.

Ainda que o chamado Código de C,T&I tenha pouco tempo de existência, sua regulamentação já ocorreu através do Decreto que conta com pouco mais de um mês de vigência, o que mostra a intenção estatal de regulamentar o setor de inovação. A despeito dessa tentativa, nem todos os dispositivos se mostram como uma melhoria significativa de imediato e a implementação de outros permanece pendente, a exemplo dos normativos que serão editados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, conforme os artigos 6º e 7º do Decreto.

No caso dos dispositivos supracitados, os contratos de cessão de uso de espaços, em ambientes de inovação, precisarão prever o envio de informações ao Ministério, justamente na forma de um terceiro normativo, a tal norma complementar. No âmbito do uso de espaços por empresas ou instituições, aspecto muito relevante para tais ambientes, há questões que ainda exigirão estudo interpretativo a partir dos demais normativos existentes como o prazo da cessão de uso, já que o artigo 7º, § 6º apenas determina que será certo admitindo renovações sucessivas.

Nessa linha, há uma necessidade de interpretação e respeito à regulação específica do setor de inovação, principalmente diante de espaços legislativos não preenchidos. Por exemplo, em áreas federais, existem diversos dispositivos que já abordam e disciplinam as outorgas de espaços a terceiros, a exemplo da Lei nº 9.636/98, Decreto-Lei nº 9.760/46 e da própria Lei 8.666/93, cada qual com prazos específicos para as concessões e cessão de uso lá previstas. Como compatibilizar tais disposições será uma questão a observar.

Há diversos avanços, como a especificação dos procedimentos relacionados à oferta pública de cessão descrita no artigo 7º, com a simplificação do rol documental usualmente exigido e das próprias etapas. Há em seu inciso segundo, inclusive, menção a critérios técnicos na escolha do cessionário, como a formação de parcerias estratégicas entre os setores público e privado e interação entre as empresas e as ICT. Essa utilização de critérios técnicos na escolha de integrantes dos ambientes de inovação sempre foi questionada por órgãos de controle, no entender de que escapava da objetividade dos critérios usuais das seleções públicas e indicava certa discricionariedade na avaliação.

Esperamos que tal disposição legal pacifique essa questão do imperativo por pautar as outorgas a terceiros apenas pelo maior lance ou valor, conforme dispõe o artigo 45, § 1º IV da Lei de Licitações. De fato, um ambiente de inovação pressupõe o potencial de formação das parcerias com Universidades e Institutos de pesquisa como foco primordial, para além da necessária onerosidade envolvida nas outorgas.

Ainda sobre este artigo, interessante notar que seu caput menciona a dispensa de licitação de que trata o artigo 24, inciso XXI da Lei de Licitações, relacionando-a ao artigo 3º da Lei de inovação – que menciona a criação de ambientes de inovação como Parques Tecnológicos e Incubadoras – para fins da cessão de uso de imóveis públicos para a instalação e a consolidação de ambientes promotores da inovação. Veja, tal redação poderia suscitar questões se diante de uma interpretação restritiva, “instalação e consolidação do ambiente promotor de inovação” inclui cessões de uso a empresas e instituições?

A forma usual de instalação de terceiros em áreas públicas, por exemplo, se dá pela cessão ou concessão de uso, para as quais se impõem os certames públicos como regra, considerando que a dispensa de licitação se interpreta de forma restrita, assim entendem os órgãos de controle. O Decreto poderia ter mencionado expressamente o Art. 3º-B, § 2º, inciso I da Lei de Inovação, que após alteração de redação passou a mencionar a cessão de uso diretamente às empresas e Instituições de Ciência e Tecnologia interessadas, mas não o fez.

Não pretendemos afirmar que os normativos recentes são desprovidos de efetividade ou avanços, de forma alguma, mas algumas disposições poderão manter fração relevante da insegurança vivenciada pelo setor de inovação. Nessa linha, já há posicionamentos da Corte de Contas federal que evidenciam a postura legalista aqui abordada e o perigo de que as disposição não sejam aplicadas, afirmou-se que a Lei 13.243/16 “cria situações de intensa interação entre as Ifes e outros atores da pesquisa e da inovação, em que o liame que divide o interesse público do privado resta cada vez mais tênue”.1 Há julgados informando que “muitas dúvidas ainda persistem em sua implementação, que podem levar tanto a práticas ilegais quanto à não utilização plena dos mecanismos por ela trazidos.”

A despeito deste cenário delicado, as iniciativas legais de fomento à inovação seguem ocorrendo, a exemplo do Projeto de Lei nº 5.752/16, que cria a categoria dos Centros de Pesquisa e de Inovação de Empresas (CPIE) como parte integrante do sistema de inovação. Há também o Projeto de Lei nº 62/17 que tramita na Assembleia Legislativa do Acre e promete ser a primeira grande normatização estadual, após a publicação do novo Código. O arcabouço legal segue avançando, resta saber se as instituições que o aplicam farão o mesmo.

Texto: Carolina Leite Amaral Fontoura – Mestre em Direito Público pela UFRJ. Advogada

Fonte: Jota Info