‘A inovação nasce do caos’, diz Tallis Gomes
26 de setembro de 2017 - 12:11
Eleito recentemente pelo MIT como um dos 35 jovens mais inovadores do mundo, o empreendedor responsável pela criação do Easy Taxi fala de sua nova empreitada com o “Uber da beleza”.
Tallis Gomes defende que um empreendedor precisa de duas qualidades primordiais: resiliência e tolerância ao erro. Isso porque, segundo ele, a “inovação disruptiva” só nasce no caos. E no meio dessa bagunça, será natural errar algumas vezes antes de criar algo diferente. Tallis pode dizer com propriedade. Afinal, é a segunda vez que comanda uma empresa que recebe elogios. Depois de fundar (e vender) o aplicativo de transportes Easy Taxi, ele foi reconhecido recentemente pelo MIT como um dos 35 jovens mais inovadores do mundo por causa de seu novo app, chamado Singu. Trata-se de uma espécie de “Uber do setor de beleza”. O nome vem de “singular”, que é como tem de ser a experiência de quem usa o app, defende. A experiência prévia como empreendedor ajudou a montar o novo negócio. Lançado em dezembro de 2015, o Singu tem 120 mil usuários e mais de 1.000 profissionais cadastrados. Segundo Tallis, já é um número quatro vezes maior do que tinha a Easy Taxi com a mesma idade. Aqui, o jovem fala de sua mais nova empreitada no mundo dos aplicativos e dos desafios que não teve de enfrentar na primeira viagem.
Como surgiu a ideia de apostar no mercado de beleza?
Quando vendi a Easy Taxi, fiquei pensando em fazer alguma coisa voltada à política social, com o objetivo de ajudar as pessoas a aumentarem sua renda. O Singu entrou na história depois que eu percebi que havia um mercado gigante de R$ 46 bilhões — valor que movimentam hoje os serviços de beleza no Brasil —, do qual nosso país é o segundo maior consumidor do mundo. Até então, a maior inovação desse tipo de serviço nos últimos 100 anos tinha sido oferecer champagne em salão de madame. Ninguém tinha inovado nada. Ao mesmo tempo, muitos salões têm um modelo exploratório, de pagar 30% para o prestador de serviço. Eu consegui inverter: pago 70% para ele e fico com 30%. Eu sou filho de cabeleireira, vivi a realidade que é ser da família de um profissional de beleza no Brasil. Menos de 1% consegue ganhar dinheiro para viver bem. Então pensei em transferir tudo aquilo que aprendi com a Easy Taxi para o Singu. É um mecanismo meritocrático, que permite que os profissionais tenham sua ascensão social através do trabalho.
E há um impacto relevante na renda dos profissionais?
Sim. Enquanto manicures em salão de luxo conseguem ganhar entre R$ 1.800 e R$ 2.000, tem manicure hoje no aplicativo ganhando até R$ 6.000 — algo inimaginável para o setor. As manicures que trabalham conosco ganham, em média, R$ 3.000. Essas pessoas conseguem melhorar a vida delas.
Quando criou o app, o lado social do negócio, então, era importante para você?
Sem a menor dúvida. Mas não faço só porque sou bonzinho, não. É que sei que dá para ser lucrativo. Com a Easy Taxi, foi a mesma coisa: a gente chegou a um mercado em que os motoristas tinham de pagar R$ 1.000 por mês para a cooperativa, enquanto para a gente pagariam R$ 2 por corrida, quando criei o modelo. Mudamos completamente a vida desses caras. A benfeitoria ao próximo acontece de forma sustentável quando você consegue se beneficiar disso também.
Na lista “35 Innovators Under 35”, publicada pela MIT Technology Review, você encabeça a seção de empreendedores. Quais elementos do Singu acredita que tenham chamado atenção do MIT?
Acredito que o modelo de negócios seja muito inovador. É uma ferramenta meritocrática de ascensão social, algo que não tem muita gente conseguindo criar de forma lucrativa, como meu time e eu fizemos. Além disso, o algoritmo realiza um gerenciamento de fila de pedidos, levando em consideração a agenda do profissional naquele dia. Conseguimos otimizar para que ganhe até três vezes mais dinheiro, ficando em uma área da cidade apenas, sem ter de se deslocar tanto. Acho que foi isso que fez com que eu fosse parar na lista. Para mim, foi uma honra representar o Brasil ali.
Qual foi o maior desafio na criação do Singu em comparação com quando começou a Easy Taxi? Agora, você já tinha a experiência, mas houve obstáculos para os quais você não estava preparado?
Sim, sempre tem. A gente nunca está 100% preparado quando o assunto é inovação disruptiva. A disrupção vem de incertezas. Na Easy Taxi, um dos grandes desafios que eu tive era convencer os taxistas a comprar celulares. Você imagina que eu estava explorando um modelo chamado O2O — serviços offline pré-pagos vendidos online. Não existia tanta referência disso no mundo quando a gente começou. Tive de criar do zero as referências que hoje todo mundo usa. Com a Singu, isso foi mais fácil. Todo mundo já tinha celular com internet, o mercado tinha evoluído. E eu sabia o caminho. Então o resultado final é que eu consegui crescer muito mais rápido. A Singu está quatro vezes maior do que a Easy Taxi estava no mesmo período de existência. Por outro lado, a Singu tem um desafio gigante de gerenciar a qualidade do serviço. Táxi era muito mais fácil: você entra no carro, que já estava rodando na rua, e já era. Aqui é um trabalho manual, pode ser que não saia tão bom quanto saiu da última vez. Esse é um desafio grande, que a gente consegue resolver treinando os profissionais. Todos eles passam por um processo de checagem, testamos localmente e, uma vez que a pessoa passa no teste, tem um treinamento formal. Nele, endereçamos essa questão da qualidade do serviço.
A gente nunca está 100% preparado quando o assunto é inovação disruptiva”
Como vocês impedem que os clientes contatem diretamente os profissionais?
Esse é outro grande desafio: garantir que não haja desintermediação — o cliente pegar o contato direto do profissional e chamá-lo fora do aplicativo. Mas no nosso sistema, a pessoa “perde dinheiro” se desintermediar. Isso porque a agenda que faço precisa ser cumprida, e é muito otimizada. Se a pessoa sair da rota, ela não consegue cumprir o resto da programação — perdendo assim o restante de dinheiro que iria ganhar. Matematicamente, não faz sentido para ela. Ou seja, criamos um incentivo financeiro para que não haja a desintermediação. Além disso, os profissionais têm bônus por recorrência. Toda a vez que alguém volta a usar o Singu, ganham dinheiro por isso.
O app funciona em São Paulo, ABC, Alphaville e Rio de Janeiro. Há planos de levar para as outras localidades?
Sim. Mas não necessariamente outras cidades do Brasil no curto prazo, mas outros países. Será em breve. Queremos levar inclusive para os Estados Unidos, que são o maior mercado consumidor de beleza.
O Singu já dá retorno financeiro?
Sim. No ano passado, passamos de R$ 1 milhão em faturamento. Esse ano, vai ser bem maior do que isso.
Já que você foi reconhecido por isso, queria saber, do seu ponto de vista, quais são as qualidades que formam um líder inovador?
Duas primordiais. Número um: resiliência. Ou seja, o cara consegue persistir de forma consistente. E a outra característica, que talvez seja a principal para mim, é a tolerância ao erro. A inovação disruptiva nasce do caos. Portanto, o inovador é o cara que tolera o erro. No meio do caos, você vai errar algumas vezes até que você consiga de fato criar algo que seja diferente.