Jornal EMancipAÇÃO estreia com a entrevista do Professor Marcelo Carcanholo

30 de maio de 2023 - 14:23

O Jornal EMancipAÇÃO é uma iniciativa do Centro de Estudos do Trabalho e Ontologia do Ser Social (CETROS), vinculado à Universidade Estadual do Ceará (UECE), e do Centro de Estudos Políticos e Sociais (CENTELHA), vinculado ao Instituto Federal do Ceará (IFCE). Nesta primeira edição, o jornal reproduz trechos do bate papo realizado na tarde de 9 de maio com Marcelo Dias Carcanholo*, que é professor do departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense e estudioso do tema crise do capitalismo e teoria marxista da dependência. Participaram da entrevista, Elivania Moraes, coordenadora nacional de graduação da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), o professor João César (IFCE), a Assistente Social Richelly Barbosa (UFC) e o docente Epitácio Macário (UECE).

Capitalismo Contemporâneo, Capital Fictício e Capital Financeiro

O capitalismo contemporâneo possui diversas nomenclaturas, mas uma, em específico, lhe é marcante: o chamado capital fictício. Ora, para que um empreendimento ocorra, a produção capitalista deve ocorrer no setor primário, secundário, terciário, financeiro, produtivo, entre outros. Isso não importa. Para que uma produção capitalista ocorra é necessário que o “capital pré-exista”. O que o capitalismo contemporâneo faz é prescindir dessa exigência do capital a partir do pressuposto de que exista no futuro um valor, isto é, uma produção da qual vai se apropriar. Se, mais na frente, algo pode ser apropriado, isso vai ser trazido para o presente e ser redistribuído, numa espécie de produção futura com direitos de participação. Então o capital fictício nada mais é que a venda de direitos, partes, frações e apropriações sobre um valor que ainda será produzido.

Nesse contexto, a grande contradição do capitalismo contemporâneo seria a superprodução do capital fictício, isto é a superprodução de direitos de apropriação sobre um valor que ainda não foi produzido, elemento este que tem crescido vertiginosamente, principalmente no interstício dos anos 1970 do século passado até a virada do século XXI. Acontece que esse crescimento não ocorre na mesma proporção que a economia mundial produz riqueza, isto é, mais-valor. Eis um dos elementos que explica a crise atual do capitalismo contemporâneo que vem sendo ensaiada faz algum tempo.

Agora, é importante aqui fazer uma nota de rodapé sobre a contraposição que muitos estudiosos tendem a fazer envolvendo capital fictício e capital fetiche. A principal característica do capitalismo contemporâneo é que esteja onde ele estiver, no mercado financeiro ou no setor produtivo, a lógica de valorização do capital é fictícia, por que você constitui um capital de maneira fictícia por pressuposto que vai te permitir inclusive comprar meios de produção, força de trabalho, entrar no processo produtivo, produzir riqueza real, gerar emprego e salário. Então, não se trata de uma contraposição entre o capital e o setor financeiro que se apropria. Além disso, a crise do capitalismo contemporâneo ou a crise das contradições dessa lógica de valorização fictícia passa por todos os setores capitalistas. Claro, em alguns mais, outros menos, e uns de maneira mais rápida. O setor financeiro, por exemplo, é muito mais rápido pela natureza desse mercado.

Portanto, as crises para o capital não são ruins. A crises para o capital são uma necessidade. Elas necessariamente acontecem no capitalismo e isso é bom! Por que as crises são uma forma de queimar o capital que foi super produzido e depois de algum tempo, reconstruir novas bases de acumulação capital. Então, o capitalismo não tem problema com a crise. Nós temos, mas o capitalismo não quer saber da população! Isso a gente já sabe há muito tempo!

Crise, mundo do trabalho e neoliberalismo

O capitalismo nunca deixou de aumentar a taxa de exploração por diferentes mecanismos. Afinal de contas, desde o final do século passado, já relacionado com o neoliberalismo, com o capitalismo contemporâneo, as pessoas para manter algum poder de compra que já tinham, era preciso ter um terceiro emprego. Então, o capitalismo tem essa capacidade de se apropriar de formas antediluvianas, formas pré-capitalistas das quais ele se aproveita só que dando outro conteúdo, desta vez, capitalista. Como exemplo, temos as novas formas de trabalho e a nova reestruturação produtiva que estão aí. Ora, Marx já mostrara que tudo aquilo que é do interesse do capital, importando do gerenciamento real concreto no processo produtivo, teria que, porque era do seu interesse, ser supervisionado, incentivado, forçado a ser feito pelo próprio capital. Acontece que o próprio capital é embutido pela própria consciência e racionalidade do trabalhador.

Essa dinâmica de taxas de exploração muito elevadas, por sua vez, acontece em todo o mundo, lógico que em graus diferentes.  Por isso, destaco o seguinte: Independente da coloração política ideológica do Governo ou do Estado, as sociedades capitalistas são antes de tudo pragmáticas. E o que se sabe desse ponto de vista, é que em épocas de crises profundas a saída é pela a via de uma política econômica necessariamente anticíclica, ou seja, que tente reverter ou minimizar os efeitos da intensidade daquela crise. No caso da pandemia, o Estado entrou com mais gastos, não só do ponto de vista macroeconômico para impulsionar demanda agregada, mas também, de termos microeconômicos, com gastos em políticas sociais, compensatórias e de ajuda. O mundo inteiro fez isso, inclusive o governo Bolsonaro. Só que no Brasil isso ocorreu depois de três ou quatro meses, portanto, de forma tardia, com uma política econômica modesta que poderia ter sido maior e direcionada para grandes grupos. O que tivemos foi uma ajuda do Banco Central para determinados grupos mediante um auxílio parco e, ainda, com grande esquema de corrupção.

E não podemos esquecer do ponto inicial: o aumento das taxas de exploração. Afinal, esse aumento é imprescindível para o capitalismo contemporâneo e estrutural para seu aprofundamento, inclusive no neoliberalismo de Bolsonaro irmanado de autoritarismo e competentes neofascistas.

Crise do capital e a luta dos movimentos sociais

A gente vive uma quadra histórica de derrota, pois o jogo não acabou. Tem o primeiro papel dos movimentos sociais e sindicais, o movimento de baixo, da classe trabalhadora que, às vezes, pode parecer menor, mas não é! É o que eu chamo de modus sperniandis. Esperneie, se recuse a morrer, resista, à essa necessidade do capital para o aumento da exploração, das taxas de mais valia. O modus sperniandis é uma primeira característica que tem que ser levada à sério. Ele é uma condição necessária, mas não suficiente, porque a resistência por teimar e não morrer, já é uma maneira de se contrapor. O modus é fundamental para a criação de consciência. Ora, ele existe desde que o capitalismo está aí. Então, temos que estudar as experiências passadas, não para repetir, mas sim fazendo as mediações necessárias entre épocas históricas distintas. Em síntese, é cutucar a ferida do capital todo santo dia. Dessa maneira, a gente vai construindo consciência e fazendo a revolução, com inclusão.

A educação, por exemplo, é uma área que podemos exercitar esse modus. Pois, se tem uma coisa que o capital aprendeu é o quanto o trabalho remoto, com todas suas implicações, lhe é favorável. Nós sempre tivemos uma dificuldade muito grande pra lutar contra o ensino à distância e depois do período da pandemia, está ainda mais difícil. Alguns “ímpares nossos” gostaram da ideia de fingirem que dão aula e de fingirem que os alunos assistem.  E o pressuposto da educação básica está morrendo que é a interação ali entre vidas. Particularmente, fico muito angustiado e temeroso para onde a educação está caminhando mediante o fato do capital ter descoberto que ela é funcional e, mais ainda, o fato de muitos ímpares, se sentirem muito confortáveis, inclusive para ganhar um dinheirinho extra.

A atualidade do pensamento crítico marxista

Marx é uma excelente referência, não a única, mas a melhor referência para entender como funciona o capitalismo. Então, se percebe que tem uma radicalidade no pensamento crítico marxista, porque é muito comum à época e continua sendo interpretar a realidade de lugares específicos, a partir do capital do Marx. No entanto, é preciso ter clareza das mediações entre geral, específico e particular. É necessário, portanto, o resgate crítico da contribuição de Marx para entender o capitalismo no mundo e com as devidas mediações a particularidade das economias dependentes no capitalismo contemporâneo.

* A entrevista foi realizada no dia 09 de maio de 2023, na UECE, e contou com a participação de pesquisadores do CETROS, do CENTELHA e da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). O bate papo na íntegra pode ser acessado pelo canal do youtube da TV ABEPSS, por meio do link: https://www.youtube.com/watch?v=htfVKDS3aZM