CETROS, CESLA e CENTELHA firmam cooperação com instituto da Universidade de Buenos
3 de novembro de 2019 - 17:38
“Laboratórios acadêmicos da Universidade Estadual do Ceará e do Instituto Federal do Ceará firmaram acordo de cooperação e parceria com o Instituto de Estudios de América Latina y el Caribe – IEALC, vinculado à Faculdad de Ciências Sociales de la Universidad de Buenos Aires (UBA)”
Em reuniões realizadas nos dias 24 e 29 de outubro, os coordenadores do Cetros/UECE, prof. Epitácio Macário, do Cesla/IFCE, prof. Aquiles Melo, e do Centelha/IFCE, prof. David Montenegro, discutiram acordo de cooperação e parceria com a diretora do Instituto de Estudios de América Latina y el Caribe (IEALC), professora Mabel Thwaits Rey.
O instituto, com sede na cidade de Buenos Aires, é vinculado à Faculdad de Ciências Sociales de la Universidad de Buenos Aires (http://iealce.sociales.uba.ar) e tem forte tradição em estudos e pesquisa sobre “Nuestra América”. O Instituto congrega estudiosos das particularidades que condicionam a inserção da região na arena global.
Mabel W. Rey destaca estarem muito “interessados em realizar o convênio de cooperação com os institutos” da UECE e do IFCE. A parceria com o IEALC, conforme sugeriu a pesquisadora, se iniciará por meio do compartilhamento da produção acadêmica dos laboratórios e da implementação de projetos comuns. Discutiu-se, além disso, a possibilidade de intercâmbio e de colaboração na realização de palestras presenciais e por meio das mídias sociais.
O coordenador do Cetros, Epitácio Macário, entregou o livro Dimensões da Crise Brasileira: dependência, trabalho e fundo público, produto do VI Seminário do Laboratório, ocorrido em 2018. Na ocasião, expôs o projeto do seminário, que ocorre bianualmente, e já lançou convite para participação do IEALC na edição prevista para o próximo ano.
Faz parte da cooperação o acompanhamento do estágio de pós-doutorado de David Montenegro, em curso, pela pesquisadora Mabel Rey, que também já emitiu carta-aceita para supervisão do estágio do professor Epitácio Macário, na Universidade de Buenos Aires.
Contexto sul-americano e parceria com a Universidade de Buenos Aires
O projeto neoliberal, implementado na América Latina sob a orientação do Consenso de Washington (1989), sofre forte crise de hegemonia no fim da década de 1990, dando lugar a emergência de governos de base popular na região. Foi este o caso de Hugo Chávez na Venezuela, em 1998, de Lula da Silva no Brasil e Nestor Kirchner na Argentina, ambos em 2003, de Evo Morales na Bolívia, em 2005, de Rafael Correa no Equador, em 2006, de Fernando Lugo no Paraguai, em 2008, de Pepe Mujica no Uruguai, em 2010, e de Michele Bachelet no Chile, em 2014. Cerca de uma década e meia depois, como afirma David Montenegro, “o continente latino-americano vem sofrendo de graves retrocessos com o avanço do ultraliberalismo capitaneado por governos autocráticos, como é o caso brasileiro”.
O desemprego, a pobreza e a violência se aprofundaram com a crise do “ciclo progressista”, que, todavia, não foi capaz de alterar estruturas geradoras de superexploração, do extrativismo ambiental, das iniquidades sociais e do exercício autocrático do poder. À diferença de Venezuela e Bolívia, onde as estruturas de poder foram de alguma forma remexidas, o experimento brasileiro no período Lula e Dilma, por exemplo, resultou no fortalecimento do poderio das velhas oligarquias que comandam a acumulação de capital nas condições da dependência.
Em face disso, as contradições desabrochadas pelo projeto neoliberal, desde seu nascedouro no Chile sob a ditadura de Pinochet, explodem sob a forma de massivos protestos e insurreições populares.
As manifestações dos indígenas e trabalhadores que tomaram as ruas de Quito (Equador) contra o decreto de Lenín Moreno que aumentava o preço e retirava o subsídio aos combustíveis no país; os massivos protestos sociais, em curso no Chile, contra o governo ultraliberal de Sebastian Piñera; a revolta do povo hondurenho exigindo a deposição do presidente Juan Hernández, atolado em corrupção; as sangrentas sublevações populares no Haiti, na região do Caribe, que exigem a saída do presidente Jovenel Moïse; a guerra de classe que toma conta da Venezuela e, até o momento, conseguiu manter o governo de Nicolás Maduro na defesa do projeto chavista… Estas são as principais expressões de lutas populares com reivindicações particulares, mas que, em seu conjunto, confrontam o projeto neoliberal no continente.
As eleições que aconteceram no mês de outubro em países como Argentina, Bolívia e Uruguai também demostram os impasses vivenciados na região latino-americana. No primeiro caso, venceu a proposta de Alberto Fernández e Cristina Kirchner numa inequívoca renúncia da população ao projeto ultraliberal implementado por Maurício Macri desde 2015. Resta observar o que será feito pelo governo de Fernández – autodenominado “liberal de esquerda” – na circunstâncias de elevado endividamento do país, desvalorização cambial, crise fiscal e subordinação ao FMI. Já na Bolívia a luta é para manter o governo de base popular de Evo Morales e no Uruguai garantir, em segundo turno, a eleição de Daniel Martínez, da Frente Ampla.
No Brasil, a eleição do capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro, assumidamente defensor da ditadura, das torturas e do conservadorismo moral, indicou uma derrota do projeto progressista empunhado nos governos de Lula (2003-2010) e de Dilma Rousseff (2011-2016). O esgotamento do modelo inicia-se no ano de 2013, com o rebatimento da crise econômica e fiscal acompanhada de massivos protestos nas principais cidades do país; consolida-se com o impeachment da presidente, em agosto de 2016, com o impedimento de participação de Lula da Silva nas eleições e sua prisão e a vitória de Bolsonaro nas urnas e da ampla maioria de deputados e senadores de direita e conservadores.
Até aqui, o governo de extrema direita deu curso à agenda ultraliberal conduzida por Michel Temer e a aprofundou, propulsionando as privatizações, a desnacionalização e impondo contrarreformas que penalizam o trabalho e as camadas pobres da sociedade brasileira. As forças de esquerda não têm enfrentado os ataques à altura, mas há sinais inequívocos de insatisfação popular e já se esboçam reações aos ataques do governo, principalmente contra os direitos democráticos.
O fato é que efervescem lutas em todos os recantos do continente latino-americano, demostrando mais uma vez o caráter de simultaneidade e de particularidade presente na história desses países. Há tanto tendência de crise econômica, vivenciada por todos eles, como de protestos massivos, como vem ocorrendo no Chile, onde, neste momento, as ruas ardem em chamas.
As jornadas de lutas podem entrar em sincronia em várias nações latinas, criando as condições de superação do projeto neoliberal para o continente ou indo além: desencadeando processos que culminem com a reestruturação do sistema de propriedade, das relações históricas de dependência e dos sistemas políticos locais. Abriu-se, pois, uma nova fase na conjuntura do continente, precipitada por um misto de lutas populares, que abarcam desde os que reclamam direitos democráticos e políticas de contenção do desemprego e da pobreza às de natureza antissistêmicas e anticapitalistas.
Nas atuais circunstâncias, o pensamento crítico latino-americano é desafiado triplamente. Por um lado, é interpelado pela guerra de classes que varre a região a fornecer uma interpretação coerente da particularidade de cada nação; por outro, os esforços teóricos têm de captar, também, as dinâmicas e relações que unificam o processo de luta de classes nos diversos países da região. Por suposto, tais urgências só podem ser cumpridas se as ciências sociais e os pesquisadores se voltarem para o estudo da região, integrando redes de pesquisa continentais.
Nesse contexto, a cooperação cada vez mais ampla e orgânica de grupos de pesquisadores e ativistas sociais é mais que uma necessidade – é uma urgência do tempo histórico.
A importância da cooperação com o IEALC
Para o professor de Economia Política na UECE, Epitácio Macário, “a cooperação entre os laboratórios Cetros, Cesla e Centelha com o Iealc abre a oportunidade de elevação das pesquisas a um patamar que abarque as realidades locais e os traços que as unificam em escala de América Latina”.
Na mesma direção, o coordenador do laboratório Centelha, David Montenegro, afirma que a parceria abre possibilidades extraordinárias do compartilhamento de “estudos e pesquisas sobre questões cruciais que atravessam o continente latino-americano”. Integrar esforços de estudo e interpretação da estrutura e da conjuntura histórica do continente, diz o professor do IFCE, “é central no atual momento em que se aprofundam o (neo)extrativismo, a espoliação dos territórios e recursos naturais e se impõem regimes políticos autoritários e violentos”.
O cientista social e professor do IFCE, Aquiles Melo, retornou de Buenos Aires com análises sobre Argentina e Chile feitas por Mabel T. Ray e Hernán Ouviña, ambos investigadores da Universidad de Buenos Aires e membros do IEALC. Os vídeos serão postados no canal do Youtube do CESLA e comporão o projeto Observatório da Realidade Latino-Americana (ORLA). “A parceria dos laboratórios da UECE e do IFCE com o IEALC marca uma etapa superior de expansão do conhecimento científico que é produzido aqui no Nordeste”, afirma o Melo, que é fundador e atual coordenador do CESLA.
A integração de esforços de estudo, pesquisa e cooperação com a Universidade de Buenos Aires, por meio do IEALC, diz Aquiles Melo, “mostra que o Cetros alcançou novo nível de maturidade ao refletir não somente sobre conjuntura local e nacional, se posicionando dentro dos centros de referência da produção científica latino-americanos”.