Lançamento do livro “Dimensões da crise brasileira” gera grande debate na Uece

31 de março de 2019 - 21:04 #

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O Centro de Estudos do Trabalho e Ontologia do Ser Social (Cetros) promoveu mais um lançamento do livro “Dimensões da crise brasileira – dependência, trabalho e fundo público”. O evento ocorreu na noite de 28/03/2019, no auditório Paulo Petrola da Universidade Estadual do Ceará e oportunizou um profícuo debate sobre a realidade brasileira e o fazer universidade em meio à atual crise.

A cerimônia foi aberta pela graduanda em serviço social, Tainara Alexandre, que é uma das organizadoras do livro. Para ela, o livro é de extrema importância por socializar conhecimentos sobre a crise na realidade brasileira. “Penso que o livro possui essa função fundamental: a de ensinar as pessoas sobre a crise em suas diversas dimensões em tempos de pseudoinformações(fake News), porque as contribuições dos/as autores/as não aparecem na mídia ou, quando aparecem, é de forma falaciosa. Em síntese, o livro possui um caráter educativo e militante”, afirmou a estudante, que é pesquisadora do laboratório Cetros.

Falando em nome do Mestrado Acadêmico em Serviço Social, Trabalho e Questão Social (MASS), a professora Zelma Madeira declarou: “a obra traz contribuição inestimável sobre dimensões econômicas, políticas, ideológicas da crise hoje em curso na sociedade brasileira”. Destacando a questão étnico-racial, que é tratada no capítulo escrito por ela em parceria com Richelly Barbosa (Assistente Social da UFC e uma das organizadoras), a professora reafirmou o caráter estrutural do racismo na sociedade brasileira e apontou a “necessidade das lutas populares intersecionarem as dimensões de classe, gênero e raça” pela conquista da emancipação.

Cinco autores/as compuseram a mesa e fizeram intervenções, expondo as principais teses por eles/as desenvolvidas na obra.

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As pesquisas, as teses

Prefaciadora e co-autora, a professora Mônica Cavaignac expôs os eixos temáticos do livro: crise, dependência e trabalho; fundo público e políticas sociais; conservadorismo e disputa do território rural e urbano. “A coletânea é a conjunção de esforços dos/as autores/as para desvelar as determinações da crise que atinge a sociedade brasileira e apontar desafios e horizontes das lutas para sua superação sob a ótica das vítimas da exploração e das opressões”, afirmou ela. Em sua exposição, Cavaignac ressaltou a questão do predomínio absoluto do privatismo sobre o ensino superior, enfatizando que apenas 25% dos matriculados se encontram em instituições públicas. A precarização do trabalho docente foi também abordada, apontando para vários tipos de adoecimentos pelas cargas extenuantes de trabalho seja no ensino, na pesquisa, na extensão e na gestão. A superação dessa realidade supõe, segundo a professora, que exerce atualmente o cargo de pró-reitora de graduação na Uece, “a articulação da luta de professores/as em busca da autonomia universitária e de melhores condições de trabalho com as lutas sociais da classe trabalhadora na defesa dos direitos sociais”.

O financiamento das universidades estaduais do Ceará foi o tema da fala de Rebecca Rocha, que é mestre em Serviço Social e realizou sua pesquisa a pedido das seções sindicais do Andes-SN na Uece, na Urca e na Uva. “O orçamento é uma peça de disputa das classes porque é nele que se estabelecem as prioridades para o investimento do Estado. No caso brasileiro, tem-se priorizado o pagamento dos serviços da dívida pública e esta é a mesma realidade do Estado do Ceará” afirmou Rocha. Em sua análise, destacaram-se ainda a precarização das instituições estaduais de ensino superior, as perdas salariais dos docentes, a crônica carência de professores e “a existência de mais de 30% das funções docentes ocupadas por profissionais contratados na condição de substitutos/temporários”. Além disso, “o governo vem desobedecendo sistematicamente o que determina a Constituição Estadual sobre a destinação de pelo menos 5% de sua receita líquida para a educação superior. O orçamento executado nessa rubrica não tem alcançado sequer 3% do que preceitua a lei”, afirmou a palestrante.

A dívida pública, o sistema tributário e o financiamento de C&T foi abordado pelo professor Epitácio Macário, ao expor o capítulo V produzido em co-autoria com o pesquisador Luiz Fernando Reis, que é professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste. O texto, disse o docente, procura provar com dados e argumentos que “o sistema da dívida pública é estrutural no capitalismo e vem jogando papel central na valorização do capital financeiro (inclusive o fictício) desde os anos de 1970”. Em escala nacional, os serviços da dívida pública consomem algo em torno de 40% do orçamento executado da União, impossibilitando uma presença mais efetiva do Estado no investimento e no financiamento das políticas sociais. O autor falou, ainda, “das bases extremamente regressivas do sistema tributário brasileiro que faz as vezes de um Robin Hood às avessas, isto é, espoliando renda dos estratos mais pobres da população e liberando as altas rendas, o patrimônio e a propriedade”. Nesse quadro, argumentou o docente, que é o atual coordenador do CETROS, “é impossível promover qualquer lampejo de justiça social por meio de manobras orçamentárias e sem enfrentar questões estruturais”.

Autor do IV capítulo de “Dimensões da crise brasileira”, o sociólogo Paulo Massey deteve-se na análise da particularidade do reflexo estético e da obra de arte como expressões da realidade sócio-histórica, seguindo os ensinamentos do filósofo húngaro Györg Lukács (1885-1971). Segundo Massey, “a arte apanha e expressa o real por meio da particularidade, enquanto a ciência só pode compreender e expressar a realidade por meio de enunciados universais. Para alcançar a dimensão da verdadeira arte, o artista mira aspectos da vida que sintetizam em si mesmos a singularidade e a universalidade; daí o caráter de particularidade do objeto estético”. Sobre essa compreensão, Massey adentra o romance “São Bernardo”, de Graciliano Ramos, para retirar consequências sobre a formação do capitalismo brasileiro. Com habilidade incomum, o professor, que é dirigente da corrente política Revolução Brasileira (RB), sintetiza: “o personagem Paulo Honório encarna o típico burguês brasileiro: é um investidor e empreendedor astuto e, ao mesmo tempo, um coronel tosco, um fazendeiro retrógrado. Por seu turno, Madalena é a professora proletarizada, que representa o pensamento progressista ou socialista, que se suicida em face dos sofrimentos, incompletudes e opressões do casamento com Honório”. Com esta reflexão, o autor tentou mostrar como os tipos escolhidos pelo Velho Graça, as relações tecidas e o desfecho do Romance, publicado em 1934, expressam a transação transada pelo alto da formação capitalista brasileira que traz em si a impossibilidade de qualquer relação conciliadora (casamento) entre burguesia e trabalhadores durar por muito tempo. Em face dessa natureza da burguesia e da formação brasileira, “toda vez que o conflito social apresenta qualquer risco aos privilégios das classes dominantes a democracia a institucionalidade são rompidas: foi assim em 1937, em 1964 e, por razões diferentes, em 2016 com o impeachment de Dilma Rousseff”, concluiu o pesquisador.

A questão agrária foi abordada pela coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a educadora Maria de Jesus. “O principal objetivo no texto que conclui a coletânea foi desvendar as relações entre o capitalismo brasileiro na era da financeirização, o alargamento das fronteiras agrícolas e a espoliação dos territórios de agricultores e povos tradicionais”. Para De Jesus, o predomínio da monocultura em larga escala para suprir demandas do mercado internacional “implica no fim da diversidade de sementes e no controle das mesmas por grandes corporações, além de transformar extensas áreas férteis em verdadeiros desertos verdes”. A política de valorização do agronegócio tem conduzido a um processo de “reprimarização da economia, além de fomentar maior violência contra pequenos agricultores e trabalhadores que vivem da terra”. Em seu registro, salientou ainda como tais tendências de avanço do agronegócio tem impactado a vida das famílias camponesas no Estado do Ceará, “implicando, inclusive, no recrudescimento da violência e da criminalização dos movimentos sociais, como o MST”. Após o golpe de 2016, acentua a militante, tem se acelerado as decisões de reintegração de posse autorizadas por juízes e cumpridas por autoridades policiais, quase sempre com uso de violência extrema, atingindo indiscriminadamente crianças, adultos, mulheres e homens. Por fim, registrou a importância para ela e para o movimento popular das pesquisas veiculadas no livro e reivindicou: “este livro deve sair das salas da universidade, do meio acadêmico e ser amplamente lido e discutido com o povo, com as camadas populares e com os movimentos sociais neste Brasil”.

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A acolhida e reação dos presentes

Em noite chuvosa, poucas pessoas se fizeram presentes ao evento. Era uma plateia composta majoritariamente por estudantes universitários, professores, profissionais do serviço social e militantes sociais. O saldo formativo da atividade foi realçado por todos, pois, segundo alguns, a disseminação do conhecimento científico tem a grande tarefa de enfrentar a onda de fake News e da desinformação que grassa a sociedade brasileira.

Em depoimento, a estudante Helena Nepomuceno registrou o aprendizado que foi muito além do que normalmente se aprende em sala de aula. “Ouvir aqui a Maria de Jesus me impulsiona a ir para luta para mudar algumas coisas porque essa verdade nua e crua que foi exposta nas falas não é de conhecimento da maioria do povo. Porque esse conhecimento fica guardado aqui na universidade”, disse ela ao sugerir a realização de outras atividades congêneres.

Já o ativista Doris Soares, que é coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), realçou a relevância dos temas tratados no livro, pois “desnudam aspectos da crise em que passa o país e apontam a necessidade de pensar um projeto de país, reconhecendo os erros da esquerda”. Um desafio, aponta a liderança dos sem teto, “é como popularizar a obra junto aos segmentos que mais necessitam desta compreensão, porque vários movimentos sociais e partidos deixaram de fazer formação há tempos”. Liderança de um dos mais importantes movimentos urbanos que lidam diretamente com o problema da falta de moradia para milhões de famílias de trabalhadores, Doris Soares reafirma que o livro abre a possibilidade de entender e intervir nas várias formas de manifestação da crise atual: “o livro oportuniza uma reflexão sobre o que devemos construir diante de uma crise que é de ausência de teoria revolucionária para o Brasil e também das formas de organização existentes”.

O professor Hidelbrando Soares ressaltou a importância da obra em face da crise e dos desafios postos para a sociedade brasileira. Para o geógrafo, que é também vice-reitor da Universidade Estadual do Ceará,seu maior impacto foi deparar-se com a análise realizada por Paulo Massey, que, a partir do enredo e desfecho do Romance São Bernardo de Graciliano Ramos, esclarece um traço da formação brasileira – o da impossibilidade de conciliação entre burguesia e trabalhadores. “Confesso que fui um dos que, em algum momento, achei que a conciliação produzida pelo maneirismo do PT seria positiva, porque resultaria numa espécie de revolução silenciosa favorável à classe trabalhadora. A crise atual e a prisão de uma das maiores lideranças oriundas do povo já indicam que a conciliação não deu mesmo certo”, frisou o vice-reitor.

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Título do livro: Dimensões da crie brasileira – dependência, trabalho e fundo público

Editoras: EdUece (Fortaleza) e Praxis (Bauru/SP). Ano de publicação: 2018.

Disponível para aquisição nos seguintes lugares:

Laboratório Cetros – UECE – Campus do Itaperi. Av. Dr. Silas Munguba, 1.700 – Itaperi – Fortaleza/CE. (www.uece.br/cetros cetros@uece.br)

Editora da Universidade Estadual do Ceará – Campus do Itaperi. Av. Dr. Silas Munguba, 1.700 – Itaperi – Fortaleza/CE.

Mestrado Acadêmico em Serviço Social, Trabalho e Questão Social – Campus do Itaperi. Av. Dr. Silas Munguba, 1.700 – Itaperi – Fortaleza/CE.

Livraria Lamarca – Av. da Universidade, 2475 – Benfica – Fortaleza/CE

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