Jornal propõe “discussão” sobre o uso de informações pessoais em nome da segurança nacional

14 de junho de 2013 - 13:09

É válido coletar informações pessoais sem consentimento dos cidadãos em nome da segurança nacional? 

SIM – Por mais paradoxal que possa parecer, os direitos fundamentais não podem ser absolutos, exatamente para que o sistema possa sobreviver. Assim, o direito à liberdade de expressão encontra limites na necessidade de se preservar o direito à intimidade. A liberdade de imprensa não pode atropelar a proteção constitucional à honra. A hermenêutica tradicional, da exclusão do seu direito pela prevalência do meu, válida para os direitos infraconstitucionais, sofre grave limitação no âmbito constitucional. A efetivação concreta de um direito constitucional deve obedecer a um processo de harmonização prática, com o mínimo sacrifício do direito que, em concreto, não prevalece. O direito à intimidade ou reserva de dados pessoais precisa conviver com o direito à segurança. Nesse contexto, “é válido coletar informações pessoais sem consentimento dos cidadãos em nome da segurança nacional?” A resposta será, considerando os princípios constitucionais, sempre afirmativa. Os direitos fundamentais coexistem, significando dizer que a prevalência de um não pode excluir completamente o outro. Nesse contexto, o poder do Estado resta legítimo para coletar informações pessoais sem o consentimento dos cidadãos, e não apenas em nome da segurança nacional, mas também para combater sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e outras ações ilícitas. A questão, angustiante, é o limite ou controle da ação do Estado na coleta dos dados, já que coletar dados importa em invadir a privacidade dos cidadãos. Estabelecer uma fronteira entre a preservação da intimidade dos cidadãos e o direito/obrigação do Estado de promover a segurança nacional é tênue. Aqui não se sabe onde está o suspeito nem que medidas podem ser adotadas para prevenir a ação criminosa. O conflito dos direitos é grave, e a regulamentação da ação do Estado é difícil. Significa dizer que cada caso será resolvido na hipótese concreta, com a aplicação também do princípio da razoabilidade. Surge um problema mais sério: o abuso por parte dos agentes do estado, que, se não bem controlados, tenderão ao desvio de finalidade, com o que se poderá ter uma inaceitável banalização da violação da intimidade e da honra.

“O direito à intimidade precisa conviver com o direito à segurança”

 

Cândido Albuquerque – Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC)

NÃO – Em um Estado Democrático, deve haver um equilíbrio entre a proteção do Estado aos seus cidadãos e a preservação dos direitos individuais. Desde o restabelecimento da democracia em 1985 e a promulgação da CRFB em 1988, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem modulando os efeitos da atuação do Poder Público em busca deste meio-termo, como no critério para o uso das algemas, de forma a reconhecer a importância dos direitos do cidadão. A sociedade não pode aceitar que a coleta de informações pessoais não tenha limites sob o argumento de defesa do Estado ou da segurança nacional. A autorização judicial deve ser requerida e analisada à luz das circunstâncias do caso concreto e obedecendo aos princípios fundamentais que consolidam o processo democrático neste País. Após 21 anos de ditadura militar em que o Estado, sob o argumento falacioso da segurança nacional e da luta contra a implantação do comunismo, atuou para limitar a atuação política e partidária, vejo com preocupação a inobservância desses limites. O governo militar limitou a atuação do Poder Legislativo, pressionou a atuação do Poder Judiciário, usou a tortura como método para obter confissões, implementou perseguições políticas com cassações, proibiu manifestações políticas, além de ter implementado o controle da imprensa. Seria um retrocesso sem precedentes imaginar que seria normal o Estado invadir o direito à privacidade e à intimidade para coletar informações pessoais, sob o pretexto de defender a sociedade de um suposto inimigo, externo ou interno. Deve prevalecer o respeito aos direitos humanos, a busca da solução pacífica dos conflitos e a preservação da paz enquanto objetivos da nossa República. A sociedade brasileira já assiste a absurdos no plano internacional como a existência da Base Militar de Guantánamo, que contraria a tradição liberal dos Estados Unidos, e o recente uso de drones pelos Estados Unidos e Israel para a eliminação de “inimigos” pelo uso de aviões não tripulados que violam soberania de outros países, já que sequer são interceptados pelos radares. Seria extremamente perigoso para a democracia brasileira a violação sem limites de direitos individuais.

“Seria perigoso para a democracia brasileira a violação sem limites de direitos individuais”

 

Sérgio Luiz Pinheiro Sant’Anna – Professor universitário, procurador federal e conselheiro da OAB-RJ


Fonte: Jornal O Povo