40 anos ao lado do cavaleiro da esperança
10 de junho de 2013 - 13:25
Maria do Carmo Ribeiro Prestes conheceu pessoalmente Luiz Carlos Prestes ao ser designada pela direção do PCB para ser seu segurança
A pernambucana Maria do Carmo Ribeiro Prestes tinha na certidão de nascimento o nome de Altamira Rodrigues Sobral, filha de João Rodrigues Sobral (‘‘camarada Lima”) e Mariana Ribas Pontes, militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Porém, devido às perseguições políticas sofridas no período em que Getúlio Vargas era presidente, ela é obrigada a fugir de sua terra natal e a mudar de nome. Maria Prestes, viúva do ex-líder comunista Luiz Carlos Prestes, lançou semana passada em Fortaleza livro autobiográfico (com prefácios da presidente Dilma Roussef e da escritora cearense Raquel de Queiroz) onde relata esse e outros fatos de sua vida durante 40 anos com Prestes.
O POVO – Nesses quarenta anos, quais os grandes momentos vividos ao lado de Prestes?
Maria Prestes – A vida com Prestes é uma longa história. Eu o conheci em 1952, quando fui selecionada para ser segurança dele em São Paulo e durante esses quarenta anos para mim foi muito importante. Sou filha de comunistas e fui viver com o dirigente da maior instância que o partido já teve que era Luiz Carlos Prestes. Quando fui designada eu não sabia que era ele por quem eu seria responsável. A partir daí, passei a conviver com ele, cumprir minha tarefa e depois, foram dez anos na clandestinidade. Nem ele tinha contato com a família dele e nem eu com a minha.
O POVO – O que a senhora fazia antes de ser segurança de Prestes?
Maria Prestes – Eu tinha 22 anos e já havia sido perseguida em Recife. Fui presa no governo de Barbosa Lima, tive a cabeça tosqueada e tinha participado da campanha do “Petróleo é Nosso”, da luta contra a bomba atômica, na luta contra a carestia de vida, pela libertação de presos políticos e no movimento de mulheres. Já estava muito visada na cidade (de Recife) e o partido resolveu me tirar de lá. Fui mandada para São Paulo, onde meu pai estava muito doente, em consequência das torturas que sofreu. Ele faleceu e o partido me botou para ser segurança do Prestes. Foi aí que conheci o Prestes. Conheci assim, eu já o conhecia de fazer propaganda política nas ruas, de distribuir cartazes, fazendo protestos. Pessoalmente só conheci quando fui designada para ser a segurança dele.
O POVO – Dos governos antes do golpe de 64, qual o mais duro com Prestes e com os comunistas?
Maria Prestes – Getúlio foi o pior, o Dutra também.
O POVO – Falando em reconhecimento, como à senhora analisa a preservação da memória no Brasil, em relação ao Prestes e a tantos outros que participaram do movimento.
Maria Prestes – Eu acho que essa Comissão da Verdade que a Dilma criou… A Dilma é uma mulher que também sofreu com a ditadura, ela foi presa, foi torturada e merece também ser reconhecida. Eu acho que a Comissão da Verdade está ajudando muito a trazer à tona, muitas questões que as pessoas não conheciam, (o nome) dos torturadores. Acho isso importante para o Brasil, é um passo importante nessa abertura que nós temos com a presidente Dilma. Foi um período difícil para todos nós.
O POVO – O Brasil não começou atrasado? Não demorou muito para começar a agir?
Maria Prestes – Depende dos governos, dos presidentes que tiveram. Só agora com esse governo do Lula e da Dilma que começaram a surgir essas aberturas. É importante nós darmos o apoio na luta de abertura e de reconhecimento de todas essas pessoas que foram perseguidas, e que devem ser reconhecidas e resgatadas para a memória do Brasil. O Brasil é um país culturalmente atrasado. O jovem não conhece o que foi o passado. Pergunte a esses jovens que fazem o 2º grau (ensino médio) quem foi Eurico Dutra ou Juscelino Kubistchek. Eles não sabem responder essas perguntas.
O POVO – Então a senhora acredita que o importante não seria a punição e sim mostrar quem são, dar os nomes aos torturadores?
Maria Prestes – Não, nós não queremos punição. Queremos caracterizar as pessoas que fizeram e porque fizeram isso. O importante é resgatar quem são essas pessoas e mostrar publicamente quem são essas pessoas. Tem uma cidade no Rio de Janeiro chamada Campos, que lá existe um fazendeiro que tem uma fazenda com um crematório. Os policiais torturavam e matavam os comunistas e depois levavam para lá para cremar. É uma coisa impressionante. Ele era um cúmplice. Temos que esclarecer isso e lutar por mais coisas.
O POVO – A senhora acha que a memória dessas pessoas que foram torturadas é respeitada no Brasil?
Maria Prestes – Acho que a memória está começando a ser respeitada. Esse ato de relembrar, de mostrar para o povo que houve essa aberração no Brasil, é importante. Tem que haver (esses atos) e tem que ser punidos. Não botar na cadeia. Mas temos que mostrar que são esses cidadãos.
O POVO – Como à senhora avalia os últimos dez anos no Brasil com o governo Lula e Dilma?
Maria Prestes – Com o Lula houve a abertura. Ele viajou pelo mundo inteiro e mostrou o Brasil, divulgou o Brasil. Acho que o país é um paraíso. Porém deveríamos dar mais benefícios ao povo, fazendo uma reforma agrária. Temos que construir casas populares e sem precisar dessa ajuda familiar. Temos que dar um salário digno aos trabalhadores. Não sou contra o Bolsa Família, mas sou contra receber o dinheiro e não aprender uma profissão. Todos tem que aprender uma profissão. Tem que se construir escola para educar as pessoas e serem cidadãos honestos, trabalhando para o país.
O Bolsa Família ajuda, mas o cidadão tem que trabalhar. O Fidel quando fez à revolução, a primeira coisa foi alfabetizar todo mundo. Depois de alfabetizar, todos aprendem uma profissão e vão trabalhar, seja qual for a profissão. Todos tem que ter uma profissão. Não se pode ficar sem profissão. Visitei Cuba várias vezes e vi homens de cabelos brancos estudando para ter uma profissão, trabalhar honestamente e viver com o seu salário.
O POVO – E o que falta para o Brasil chegar a isso?
Maria Prestes – Não sei o quê falta. Sei que o povo tem que ter orientação nesse sentido.
Jornal O POVO Fortaleza Ceara 10.06.2013