Confira entrevista na íntegra com Fernando Gabeira ao jornal O Povo
25 de março de 2013 - 12:01
O POVO – O senhor exerceu por 16 anos seguidos o mandato de deputado federal, disputou o Governo do Rio naquela circunstância toda e agora está fora da política institucional, digamos assim. Pode-se dizer que está reaprendendo a lidar com outro modo de política?
Fernando Gabeira – Eu acho que é ainda mais complexo do que isso. De um lado estou reaprendendo a lidar com um modo de política, de outro lado estou reaprendendo a lidar com uma nova articulação da minha vida profissional e da minha vida política, que é sempre muito delicada, porque a natureza do nosso trabalho como jornalista implica em cuidados muito maiores do que outras atividades nessa articulação. Então é um aprendizado importante, assim como é um novo aprendizado também, porque eu volto à profissão de jornalista depois de muitos anos com uma transformção muito violenta, numa área que sofre uma mudança intensa. Comecei como repórter, fotografava algumas coisas. Hoje eu não só escrevo e fotografo como eu filmo e ainda edito e ainda tenho site. Quer dizer, na verdade, se tornou uma profissão muito dinâmica. Muito menos rentável do que no passado, mas hoje ela te oferece uma possibilidade de expressão muito mais rica. Então esse aprendizado todo é uma base nova para mim. Combina política não institucional, o jornalismo e a revolução digital que está alterando radicalmente o jornalismo.
OP – E atrai essa revolução digital, em relação ao que você viveu em outros momentos?
FG – Eu tenho dito que talvez seja o fenômeno na minha vida mais modificador que eu já assisti.
OP – Está se adaptando bem?
FG – Eu me adapto bem, estou me adaptando bem dentro dos limites, né? Mas talvez seja o fenômeno mais transformador que eu já vi em termos de mudanças tecnológicas. Mudou o jornalismo, mudou a produção material, mudaram as relações, mudou a maneira de se comunicar, enfim, é um processo de mudança gigantesco. No passado, nós tivemos grandes mudanças também tecnológicas que influenciaram nosso cotidiano. A descoberta da pílula anticoncenpcional, por exemplo, abriu um horizonte imenso no campo amoroso, por exemplo. Mas se limitou um pouco a isso, ao campo amoroso. Ao passo que a revolução digital, traz transformações na economia, na política, em todos os setores.
OP – O termo revolução é sempre bom para o senhor, não é?
FG – É um termo bom.
OP – Queria que falasse um pouco sobre essa sua experiência de 16 anos no parlamento. Levando em conta toda aquela luta exercida antes de vir a ocupar os mandatos. Como foram esses 16 anos, levando em conta que o senhor acompanhou nesses 16 anos dois governos bem diferentes ou nem tão diferentes, o do PSDB e o do PT?
FG – Eu tentei dar mais ou menos a síntese desse processo no livro mais recente que eu publiquei, “Onde está tudo aquilo agora?”. Ao longo desses 16 anos, foi um período em que o Brasil viveu momentos especiais e que eu assisti o fim do Governo, vamos dizer, o último Governo Fernando Henrique. Os dois governos Fernando Henrique e os dois governos Lula.E infelizmente ou felizmente eu assisti na mesma posição: contra. No caso do Lula, eu me tornei opositor alguns meses depois da instalação do Governo. No caso do Fernando Henrique eu já era opositor. Eu percebi ali no parlamento que havia muitas limitações mas que o parlamento brasileiro ainda era um espaço onde você podia discutir muitas coisas, colocar muitas coisas. Mas progressivamente o horizonte foi se tornando sombrio e o ar, ficando mais rarefeito. O parlamento foi se definhando por algumas razões. A primeira grande razão é o peso do Executivo. O Executivo tem um peso muito grande ao definir praticamente que a chance de quem é oposição é muito reduzida, porque o Executivo manipula as verbas orçamentárias de uma maneira tal que reserva tudo para os amigos e quase nada para os adversários. Bom, esse é um ponto. O segundo ponto que me pareceu que contribuía para definhar o Congresso era a pressão das medidas provisórias. O parlamento costuma ter uma série de ideias, projetos, discussões, que têm que ser levadas, porque é uma força autônoma. No entanto, a presença maciça de medidas provisórias praticamente transformava o parlamento numa espécie de carimbador das decisões do Governo, num apêndice do Executivo. Ainda assim o ar ficou mais rarefeito, porque havia ainda no espaço das grandes decisões ligadas aos costumes dos brasileiros. Mas o Congresso também, de um lado abriu mão de um espaço dele para o Executivo, e de outro abriu mão de um espaço dele para o Judiciário. As grandes questões que deveriam ser objeto de debates foram levadas ao Supremo (Tribunal Federal, STF). Então o aborto foi discutido no Supremo e votado, a união civil de pessoas do mesmo sexo, votada no Supremo, a legalização da marcha da maconha, votada no Supremo, quer dizer, o parlamento cedeu uma parte do seu território pro Governo e uma parte do seu território para o Supremo Tribunal Federal e ficou muito reduzido.
OP – Agora, para uma pessoa como o senhor, que é uma espécie de ícone de uma geração que lutou por transformações no País, fazer essa síntese hoje depois de ter vivenciado isso lá, junto com pessoas que também lutaram e tiveram os mesmos ideais, não é de certa forma frustrante não?
FG – Bem, eu acho o seguinte: existe um nível de frustração que está embutido em níveis de expectativas e promessas que a gente tinha, sobretudo quando chegou ao Governo. Mas essas frustrações têm que ser trabalhadas de uma maneira semelhante às outras no sentido de que realmente a gente quase sempre espera mais do que se tem. A vida é feita de muitas expectativas e nem sempre todas essas expectativas são positivas. Eu costumo dizer que nós tivemos um papel. Essa geração teve um papel importante, não só na resistência ao Governo Militar, como na redemocratização do País. Ela não chegou completa às nossas mãos. Tanto que quando acabou o exílio e se iniciou o processo democrático foi preciso lutar pra que a presidência da República fosse escolhida diretamente. Então houve um movimento pelas eleições diretas para presidente. Um sinal de que era preciso concluir o trabalho democrático, não estava concluído. Nós, imediatamente após a obtenção das eleições diretas para presidente, nós tivemos que derrubar o presidente eleito, porque o presidente eleito não estava à altura do cargo. Então era uma questão que se colocava, a eleição direta é válida, mas nem todo presidente eleito é válido. Nem todo presidente eleito diretamente pode se validar. Então depois disso, houve todo aquele trabalho de preparação para que a esquerda, que representava uma alternativa, chegasse ao Governo. E esse trabalho acabou se concentrando no PT, na expectativa da trajetória do PT e na pessoa do Lula. Chegando ao Governo em 2002, esperava-se que realmente seria um processo contínuo e inabalável. Do ponto de vista das melhorias sociais, eu acho que foi obtido um grande avanço. Nós melhoramos, de uma certa maneira, o salário mínimo, melhoramos o consumo e introduzimos uma série de temas e conquistas que eram conquistas difíceis para os mais pobres. Enfim, trabalhamos um programa que é um programa típico de uma social democracia ascendente, que vai levando a população a novos patamares. Mas do ponto de vista político, a frustração foi grande porque o Governo decidiu que, para continuar governando de uma forma confortável, era preciso conciliar com todas as forças que ele prometeu destruir. Então criou-se uma nova associação entre os que chegaram ao poder e os que sempre estiveram no poder, transformando o campo da política em alguma coisa muito parecida com o que sempre existiu. Então se, de um lado, no campo social, você sentia um avanço, no campo da política, você sentia uma estagnação, uma impressão de mesmice. Então esse movimento é limitado, que traz alguma decepção para quem esperava um movimento mais completo.
OP – Todo momento histórico é feito de simbologias. A sua geração lutou por isso que o senhor colocou, mas a gente vivenciou no segundo semestre do ano passado o julgamento, que de certa forma foi histórico no STF, culminando com a condenação de pessoas que também são verdadeiros ícones da esquerda. A possibilidade da prisão dessas pessoas por uma circunstância que não tem nada a ver pelo que foram presos em outros momentos, não fere a luta de uma geração?
FG – Eu acho que esse mecanismo que eles escolheram é um mecanismo que de uma certa maneira foi julgado pelo mensalão. O mecanismo de corromper deputados, de corromper o parlamento, pra governar de uma forma mais confortável. Esse processo do mensalão ganhou uma certa notoriedade porque ele foi denunciado pelo Roberto Jefferson, que encontrou essa expressão mensalão, que tem apelo popular muito grande. Aliás eu costumo achar que todas as palavras em aumentativo têm apelo popular muito grande, como todos os estádios brasileiros, Castelão, Engenhão, têm um apelo popular. Mas o mecanismo que está por trás do julgamento do mensalão é o mecanismo que nós estamos denunciando aqui. O fato de você se associar às mesmas forças que governavam o país, de utilizar os mesmos métodos que foram utilizados nos passado, com a diferença que você está utilizando também pagamentos mensais. Dinheiro vivo que está sendo colocado nas campanhas eleitorais. Isso trouxe até uma certa dramaticidade ao processo, mas no fundo é a velha tentativa de corromper o parlamento para continuar governando o país. A proposta nova se caracterizou também pela melhoria social tinha esse lado velho. E o mensalão, o julgamento teve também características pedagógicas. No Brasil o acesso à justiça é muito difícil. E as pessoas acham que os ricos não são condenados, desde que contratem grandes adogados. Aconteceu outra coisa: eles foram condenados mesmo tendo pago R$ 30 milhões em honorários de advogados. Então também teve esse efeito pedagógico para o Brasil. Mas o que se julgou e se puniu no mensalão continua existindo de alguma maneira. O processo de corrupção dos parlamentares continua a existir por outros métodos mais sutis, mais delicados, mas que mantêm um status quo de você ter um governo conduzindo um país sem ter um parlamento independente que faça um contraponto. Eu costumo dizer que o PT era um partido voltado para práticas corretas e que ele me parece muito um personagem do (Friedrich) Dürrenmatt, na peça A Visita da Velha Senhora. A velha senhora é uma prostituta, que era muito desprezada na cidade dela. Ela vai embora e volta muito milionária. Então ela volta querendo comprar todo mundo e ela diz: “ó, o mundo fez de mim uma puta, eu vou fazer do mundo um bordel”. Então o destino do PT também foi esse.
OP – Personagens como o senhor, Marina Silva, Heloísa Helena, pela força que tinham e ainda têm no país, fizeram com que o Lula e o grupo do PT chegassem ao poder. Vocês não podem negar que tiveram essa colaboração importante.
FG – Não, nós contribuímos com o processo, nós somos responsáveis por isso também.
OP – Então eu queria que fizesse uma avaliação sobre isso, porque às vezes me parece difícil em algumas outras pessoas que pularam fora do barco, admitirem que também fizeram um esforço e que também, pela liderança que possuiam, influenciaram muita gente a colocar o PT no poder.
FG – Eu tenho feito muitas avaliações que acho que a minha participação no processo foi uma participação de lutar para que essa alternativa se realizasse. E de lutar para que essa alternativa se realizasse em torno da figura do Lula. E em certos momentos utilizamos mecanismos que são mecanismos que hoje eu condeno. Por exemplo: quando o Lula dizia uma bobagem e as pessoas riam, dizia, ah, isso é preconceito, porque é um homem do povo. Mas as bobagens são bobagens, não importa. E nós criamos em torno dele uma certa barreira de proteção, uma culpabilização de quem dele desconfiasse ou atacasse o discurso dele por achar que estavam na verdade com preconceito em relação a ele ser uma pessoa não bem formada. Então nós criamos as condições pra que o Lula com as suas limitações chegasse ao Governo. E nesse momento quando ele chega com suas limitações, as suas limitações se voltaram contra nós também, assim como as limitações do próprio projeto. Então não foi um raio de céu azul. Nós cometemos uma série de erros ao longo do processo que acabarm culminando nisso.
OP – A esquerda, ao eleger o Lula, venceu a direita, mas à medida que o Lula foi conduzindo seu Governo, o PT foi se direcionando mais para o centro, deixando uma brecha, um espaço para que os partidos que se afirmam de esquerda pudessem explorar. Neste momento, o discurso de frustração é oportunidade de tentar identificação com a população, que já não dá credibilidade à política?
FG – Não creio não. Eu acho que existe um tipo de decepção com o projeto do PT, é uma decepção com coisas corretas que o PT fez. Uma delas é de desenvolver uma política econômica que utilizava também mecanismos bem utilizados pelo projeto anterior. A política econômica do Governo Lula acabou contribuindo enormemente para que o país crescesse, junto com a situação internacional. Então uma solução à esquerda, sobretudo no campo econômico, ela seria isolada. Não era uma alternativa à esquerda que a população estava pedindo. Não é necessariamente uma alternativa à esquerda, mais radical. A alternativa que a população, eu imagino, está pedindo hoje é que além dos benefícios materiais visíveis que ela vive, ela não tivesse que pagar o pedágio da corrupção. O que ela quer não é um lugar como em Cuba, por exemplo, de dizer assim: houve melhorias materiais, mas vocês têm que compreender que a liberdade não é possível. O que ela quer é: nós queremos melhorias materiais, mas queremos a liberdade também. Queremos também que a corrupção, no caso a brasileira, seja reduzida. Então não se trata do fato de o PT ter se desviado, para a direita, porque nesse desvio em muitos momentos ele encontrou soluções corretas, o que se trata é do PT ter se desviado do projeto original de realizar mudanças no campo econômico e no campo político.
OP – Dentro dessa discussão, diz-se, em termos de folclore, que o teu rompimento com o PT, que foi bem antes de estourar o mensalão, se deu por conta de um chá de cadeira do José Dirceu. Isso de fato aconteceu? Ou já havia algum desgaste em relação à entrada do Governo Lula no poder?
FG – Imagina, você não pode achar que uma decisão histórica se dê por um chá de cadeira… (risos) Se eu tivesse alguma esperança no José Dirceu, eu esperaria anos sentado. O que acontece é que o PT rompeu no Governo com uma série de compromissos feitos comigo no campo do meio ambiente. Ele rompeu com o compromisso de ter uma visão séria com os transgênicos, legalizando os transgênicos, introduzidos clandestinamente no Brasil, ele rompeu com uma decisão séria de reduzir o desmatamento, que naquele momento estava crescendo, ele rompeu com uma decisão séria de impedir a importação de pneus usados, que o PT foi cúmplice de um decisão judicial que permitia isso. Então o PT roeu a corda na questão ambiental, num compromisso que tinha comigo e com o movimento ambiental. Foi por isso que eu rompi com o PT. O José Dirceu é um acidente de percurso. O José Dirceu foi apenas o pretexto que utilizei pr dizer “eu estou rompendo”. Mas ele podia me fazer esperar 30 anos, se eu achasse que no final dos 30 anos ele iria fazer alguma coisa boa.
OP – No seu último livro tem uma passagem que o senhor conta quando saiu do Chile e foi pra Estocolmo. Diz o seguinte: éramos parte de um fracasso histórico. Isso em relação à confiança que as coisas iriam acontecer, como Marx previra. Quando foi que começou a ter essa noção?
FG – Olha, nós tivemos dois processos, né? Nós tínhamos um processo no Brasil em que houve um esmagamento da esquerda, que significava também uma espécie de indicação do fracasso do modelo cubano de fazer a revolução, que, de uma certa maneira, estávamos tentando reproduzir. Fomos para o Chile e vivemos no Chile uma outra experiência. A experiência de uma tomada do poder, pelo caminho pacífico, pelo caminho eleitoral. Quando chegou mais ou menos pra mim ali, depois do golpe do Chile, uma visão de que o continente havia… não havia mais espaço no continente pr’aquela ideia de recolução. Eu comecei a pensar que realmente havia espaço para uma ideia de revolução. Se há revolução realmente no horizonte ou se essa revolução não era apenas uma quimera, uma fantasia. Eu achava, achei e acho até hoje que a chamada revolução socialista não tinha as mínimas condições de se viabilizar quando nós começamos a realizar. Ela já era alguma coisa do passado quando nós retomamos como uma coisa do futuro. Então nós erramos um pouco o momento histórico. Se houvesse um análise bem detalhada, precisa, nós já veríamos que a revolução não era viável.
OP – Vocês chegaram a discutir isso antes ou depois do sequestro do embaixador americano?
FG – Não. No sequestro do embaixador americano, nós estávamos empenhados em sequestrá-lo, libertar os companheiros e realizar as tarefas que estavam pela frente. No sequestro do embaixador americano, o sentimento era de triunfo. Não havia ainda uma crítica, uma sensação de perda. Eu pessoalmente comecei a avaliar esse processo de uma forma mais crítica no exílio. Por quê? Porque as chances que eu teria de avaliar algo de forma mais crítica seria na cadeia. E a cadeia é um péssimo lugar pra você avaliar criticamente o que você fez. Porque a cadeia é um lugar onde você tem que achar que está fazendo a coisa certa de que aquilo era um processo histórico irreversível. Porque isso dá força pra aguentar a cadeia (risos). Na cadeia você reforça tudo aquilo que você acredita, é a maneira de você considerar que valeu a pena estar dentro da cadeia.
OP – Sei que o senhor já explicou isso em outras oportunidades, mas…
FG – Você gostaria que eu explicasse diferente, melhor…
OP – A minha função como jornalista é perguntar, o senhor responde se quiser. Como é que foi a sua participação no episódio do sequestro, desde o começo até o desfecho?
FG – Minha participação foi o seguinte: Eu tinha entrado na clandestinidade. E aluguei uma casa a pedido da organização com o objetivo de instalar na casa um offset (método de impressão) e produzir um jornal nacional para a oposição. Eles, a organização decidiu sequestrar o embaixador americano.
OP – O senhor não teve participação nenhuma nessa decisão?
FG – Decidiram sequestrar o embaixador americano, fizeram esse projeto, se uniram as duas organizações e decidiram que aquela casa que eu tinha alugado e estava morando para fazer o jornal seria a casa para se guardar o embaixador americano. E eu fiquei bastante lisonjeado. Com a casa em que eu ia apenas fazer um jornal, nós íamos sequestrar o embaixador americano! Pô! (risos) Eu participei assim. Mandaram pra lá um rapaz que ia me ajudar, tinha um militante que me ajudava na casa, o baiano. Depois chegou um velho, já especificamente pra preparação do sequestro. E eu vivia na casa, minha função era continuar com a vida normal, sair pra fazer compras e em certos momentos deixar lá um bilhete do sequestro. E dentro da casa cumprir as tarefas de vigilância do embaixador e da casa como todos os outros. Mas foi essa minha participação. Agora a diferença é que eu escrevi um livro sobre o tema e tal, dei minha versão e há sempre, entre as pessoas que participaram, visões diferentes do mesmo episódio. O ideal seria que escrevessem um livro também.
OP – Dentre todas essas pessoas, porque que o seu nome e o do Franklin Martins vêm mais à tona quando surge essa história do sequestro?
FG – Não sei. Surgem também o Paulo de Tarso, que também participou. Não sei. Na verdade, existe uma… Teve uma discussão sobre quem teria escrito o manifesto. E o manifesto quem escreveu foi o Franklin. O Franklin escreveu o manifesto e eu apenas coloquei. Talvez tenha sido isso. Algumas pessoas acharam que fui eu e ele se sentiu diminuído no processo autoral.
OP – Nesse episódio do embaixador, o senhor diz que ficou responsável pela vigilância…
FG – Co-responsável. Todos eram responsáveis pela vigilância…
OP – Como lidava com a possibilidade de em qualquer momento aquele senhor vir a ser morto por vocês?
FG – Eu não lidava com essa possibilidade dele ser morto, entende? Todas as indicações que o Governo deu, desde o princípio, eram indicações de que aceitaria as condições. Então as hipóteses de conflito ali eram hipóteses secundárias, em relação à hipótese de que daria tudo certo. Agora, é claro que há acidentes de percurso. Eles descobriram a casa. Foram na casa, tocaram a campainha. Naquele momento eu senti que eram dois policiais, dois oficiais militares, e que estavam ali, não tinham razão nenhuma para estar na minha casa. E quando eu abri, perguntaram por uma pessoa que não morava lá, eu sabia que eu estava abrindo a porta e que atrás de mim estavam todas as pessoas armadas prontas pro embate. Então naquele momento ali não é nada agradável você ficar entre a polícia e o pessoal lá atrás. Mas também foi resolvido bem, foi o único momento de grande tensão, além do momento da libertação dele, quando eles apareceram com metralhadoras e tudo e tal. Mas excluindo esses dois momentos de grande tensão, eu sempre acreditei que tudo ia dar certo.
OP – Outras pessoas chegaram discutir a possibilidade de vir a matar o embaixador?
FG – Não havia discussão sobre matar o embaixador. O que fica implícito nos documentos da época e nas próprias condições impostas ao Governo é caso não libertem os nossos presos nós não libertamos ele, num determinado prazo.
OP – O senhor agora, numa outra fase das suas revoluções, está viajando o país falando sobre uma nova forma de fazer política. E a gente lendo e assistindo tua palestra, agora há pouco, vê que essa nova política tem semelhança com o que já foi proposto por outras lideranças que hoje estão desencantadas com o que a gente vê…
FG – A sua pergunta é qual a garantia de que não vai cair no velho de novo?
OP – Pronto. Exatamente.
FG – Eu acho o seguinte: o primeiro ponto fundamental é que você tem que estabelecer uma relação como os eleitores e uma relação em que você realmente preste contas. Uma relação transparente do seu processo. Eu acho que a trasparência ajuda muito nesse processo. Mas o aspecto central é você entrar no Governo querendo fazer alguma coisa. E as pessoas que entraram no Governo, pelo que percebi, queriam fazer alguma coisa, mas o principal pra elas era como continuar no Governo. E um grande problema dessa geração, da qual participei, é que eles são uma espécie de “junkers” do poder, pensam no poder e são voltados para o poder, para ficar no poder. Eu acho que é possível você construir alguma coisa. A primeira delas é com gente disposta a entrar na política sem necessariamente a perspectiva de enriquecer. Isso é difícil, mas eu acho também que o movimento sindical, que teve papel importante na vitória do PT e na ascensão da esquerda, ficou um pouco seduzido pelas melhorias materiais. E eu acho que essa sedução fez um pouco com que o Brasil tivesse um processo em que a classe operária não foi apoderada, foi ao paraíso. Ela melhorou as suas condições. Deram um processo de ascensão. O que proponho agora, o que proponho a todos é um trabalho diferente. Primeiro, não ser “junker”. Não precisa necessariamente achar que a tua vida está no poder. Você pode resolver esse trabalho e possivelmente você não vai ser eleito de novo. Não importa. Você fez esse trabalho. É uma visão diferente você não ter aquele apego ao poder, não somos “junkers” do poder, não é viciado no poder.
OP – Uma das críticas à política se passa pelas relações fisiológicas entre os partidos. E como seria possível para o PV, por exemplo, chegar até lá ou fazer parte do sistema sem se render a esse sistema de alianças, considerando que em 2010, por exemplo, o partido chegou a apoiar no segundo turno José Serra (PSDB)? Com se critica o modelo atual e se chega ao poder driblando essas relações? No Rio mesmo o senhor foi apoiado pelo PSDB e pelo PPS.
FG – Exato. Eu acho que foi o tema central da minha campanha em 2008. Que era possível chegar ao Governo, apoiado por partidos como o PSDB e o PPS e sem necessariamente transformar isso num processo de barganha política. O que eu dizia: nós vamos buscar na sociedade os melhores quadros para dirigir o Governo. Nós não vamos discriminar os partidos políticos, mas os partidos só poderão participar e devem participar quando e sempre que tiverem um quadro capaz para aquela tarefa e honrado. O que acontece no Brasil hoje é que você rateia o poder. Você entrega (o cargo) ao partido e ele coloca uma pessoa lá da sua confiança. Então a lógica seria diferente. Você não colocaria uma pessoa porque ela é filiada ao partido ou porque ela tem poder no partido. Você colocaria porque ela tem uma contribuição específica naquele tema e porque ela tem um passado limpo. Então essa mudança de lógica é uma mudança que não é aceita facilmente. Pela população foi muito bem aceita. Eles falavam: “Pelo menos temos uma coligação onde o cabeça dessa coligação se dispõe e se compromete a isso”. E os partidos não reclamavam. Eles falavam: “Nós concordamos com isso”. Talvez porque não achassem que eu chegaria ao Governo. Mas eu quase cheguei.
OP – Queria perguntar sobre isso. Tivemos aqui no Ceará há alguns anos uma eleição interessante. Um governador candidato à reeleição e um outro que foi crescendo, começou de baixo e chegou cabeça a cabeça no final. Então surgiu uma piada que era o seguinte: era um governador com medo de perder a eleição e um outro com medo de ganhar. No teu caso lá no Rio, não tô dizendo que é a mesma situação, mas você chegou a perder por menos de 1% e não passou pela tua cabeça, não te assustou a possibilidade de ganhar a Prefeitura?
FG – Ali era governar a cidade do Rio de Janeiro. O processo era coletivo. A sociedade estava muito envolvida. A eleição municipal é muito próxima do eleitor.
OP – Mas o senhor mesmo colocou, vem colocando que um dos problemas da política é que as pessoas se envolvem nas campanhas e depois elas saem fora.
FG – Eu tô dizendo que na campanha municipal o nível de envolvimento é maior porque os temas tocam muito ao cotidiano das pessoas. Então havia muitas reuniões em casa, muitas participações de grupos de moradores. Então era uma experiência coletiva. É claro que eu podia ter medo (de ganhar) até certo ponto, mas eu achava que meu medo maior era de perder, porque eu achava que era necesário realizar esse projeto. Era necessário realizar aquele sonho coletivo, porque ele era possível. Se era possível realizar do ponto de vista eleitoral, ele seria possível também do ponto de vista administrativo.
OP – Mas essa proximidade no município ela implica também em um maior nível de cobrança. Isso haveria até com mais intensidade.
FG – Eu acho que sim. Acho que com um nível de cobrança maior e uma proximidade física maior. O prefeito acorda com um cara na porta dele. E por onde ele anda todo mundo reconhece e reclama das coisas. Seria uma responsabilidade muito grande, mas com um potencial de acerto e de sucesso muito grande também. Tanto que o vencedor das eleições, o Eduardo Paes (PMDB), não encontrou e quando ele avançou na sua administração… e era uma cidade viável, com todas aquelas coisas que estávamos falando que poderiam acontecer no Rio, podem acontecer. E parte do programa que a gente tinha lançado, ele também absorveu.
OP – Queria perguntar sobre o PV. Puxei alguma coisa que li sobre o senhor, quando começou a pensar na fundação do partido, que você diz o seguinte: “Eu achava que a esquerda só cresceria se abandonasse a luta de classes”.
FG – Eu me lembro perfeitamente. Me referi a uma crítica que eu fazia à esquerda. Foi um dos elementos da crítica que desenvolvi quando cheguei ao Brasil, que era contra a visão da exclusividade da luta de classes, da predominância da luta de classes. E foi por aí, por esse caminho, que consegui introduzir a visão da ecologia, a questão da mulher, questão da discriminação racial, as realidades de minorias sexuais. A esquerda estava agonizando do ponto de vista teórico. Ela viu o mundo como um mundo dividido entre burgueses e proletários e atribuiu aos proletários uma missão de salvação (risos). Então eu falei que era preciso ampliar esse leque. Existem outras pessoas que podem ser atores desse processo. As mulheres, os negros, os homossexuais, as pessoas atingidas pelos desastres ecológicos. Então eu estava tentando mostrar que não era mais possível ver o mundo exclusivamente pela luta de classes. Que realmente eu me lembro na Suécia, quando eu era exilado, quando falávamos para os trabalhadores suecos sobre os trabalhadores russos, eles tinham uma reação de pena… “Poxa, coitados”. E os russos teoricamente eram os agentes da salvação. O socialismo vivia uma situação deplorável comparado à situação sueca. (risos)
OP – E quais os seus planos pra 2014? O senhor é pré-candidato às eleições presidenciais?
FG – Não, não sou. Eu sei que o Partido Verde tem expectativa de usar meu nome nesse processo de tentar apresentar pré-candidato próprio, mas eu estou voltado para o jornalismo. Eu tenho um contrato de jornalismo por dois anos com a Rede Bandeirantes. Então eu pretendo cumprir esse contrato e mais do que isso eu pretendo avançar no jornalismo. Porque quando eu era menino, o jornalismo era uma área muito fascinante pra mim e dava muito dinheiro. Eu ganhava muito dinheiro, mais do que eu precisava. Mas, agora, o jornalismo não dá mais dinheiro, mas, em compensação, ele te oferece inúmeras oportunidades criativas que naquela época não estavam disponíveis e os meios tecnológicos ofereceram. Então eu quero ganhar dinheiro como jornalista para sobreviver e trabalhar experimentalmente com comunicação, no jornalismo. Fazer experiências, criar novas possibilidades no jornalismo. Isso me fascina muito. E nos fins de semana, para não dizer que não estou fazendo política, que não estou ajudando, e vou cumprir alguma tarefa, voltada par a política. É essa a minha disposção.
OP – Então política com mandato eleitoral, nem executivo?
FG – Nem executivo, nem legislativo, não estão no meu horizonte. Agora o meu horizonte pode mudar, e se o país mudar, né? Não sei quais são as mduanças que podem acontecer, mas, no momento, não estão no meu horizonte.
OP – E por que o PV?
FG – Porque é um conjunto de ideias, um partido que ajudei a criar, um conjunto de ideias que precisam se aperfeiçoar, mas não é só o PV é um campo. O PV é apenas um elemento, uma figura dentro desse campo, que é composto também pela Marina, pelas pessoas que estão em torno da Marina, pelas pessoas que querem um movimento ambiental, pelas pessoas que querem um desenvolvimento ambiental, desenvolvimento sustentável, pelos cientistas e técnicos que estão tentando elaborar novos processos, condizentes com as necessidades de preservação do meio ambiente. É um campo de atuação no qual o PV é apenas uma peça pequena, que você procura ajudar, mas não é a exclusividade da sua vida.
OP – E agora com a discussão da reforma política, tem dois pontos que eu gostaria que o senhor comentasse, que é a participação das redes sociais e o financiamento público de campanha, que beneficiaria principalmente os partidos menores, que teriam condições mais igualitárias na disputa. Qul a sua expectativa com relação à reforma?
FG – A reforma política no Brasil tem um grande obstáculo: os políticos. A reforma é feita pelos políticos e eles não querem uma reforma que os desaloje da situação atual. Então a única expectativa que eu tenho da reforma é ela vir de baixo, dos movimentos, da sociedade, inclusive das redes que desenvolvem isso. Primeiro elemento da reforma que nós tivemos e não é perfeito é a lei da ficha limpa. Só surgiu porque veio de baixo pra cima. Por conta própria jamais votariam. Então a reforma no Brasil depende enormemente do impulso de baixo pra cima. Por outro lado, existe uma limitação imensa. As redes sociais não podem substituir as instituições nacionais. Ainda semana passada eu tava lendo um artigo no New York Times de um cara dizendo: olha, os congressos, os partidos políticos não existem porque a comunicação antigamente era mais precária, existem por necessidade estrutural pra o sistema funcionar. Então as redes não vão substituir essas instituições, é necessário que a gente pense uma forma de fazer com que as redes contribuam para a melhoria do sistema. Quanto ao financiamento público de campanha, eu sou um pouco reticente. Eu vivi na Alemanha um período e a Alemanha é um país que tem esse sistema, mas isso não impediu que eles buscassem dinheiro por caminhos diferentes. O próprio Helmut Kohl, com seu estilo, depois da reunificação da Alemanha, ele teve de renunciar por ter buscado fundos clandestinos. Se isso existe na Alemanha, eu acho que pode existir no Brasil. (risos) Porque no Brasil a gente conhece mais meios de driblar a lei do que na Alemanha. Nos somos mais talentosos. Então a forma que eu acho mais interessante e que me pareceu interessante sempre é uma forma de financiamento dos eleitores. No Estados Unidos, para presidente da República, você tem o financiamento público. Mas o que fez o Obama? Foi tão grande a capacidade dos eleitores de produzir os recursos da campanha, que ele dispensou o financiamento público. Se a gente pudesse ter essa flexibilidade, nós custamos muito, tinha uma briga com o Supremo, com o Tribunal Eleitoral, eles levaram quase cinco anos para aceitar a contrbuição pela internet. Agora no Brasil isso já pode existir. Eu acho que as melhores campanhas são aquelas campanhas levadas pelos eleitores. Em 2008, não deixavam a gente receber dinheiro pela internet. Vinham umas senhoras com os dinheiros amarrotados, toma aí.. As pessoas levavam seu dinheiro para a campanha… Então, eu acredito nisso, como um verdadeiro jingle das campanhas políticas. A campanha pelos eleitores. E numa determinada situação você pode ter o financiamento público, mas isso é optativo. Se você consegue financiar a campanha dele, que ele possa dispensar o financiamento público.
OP – Duas perguntas em uma só. Nesse mês de março, duas situações que podem de repente mudar a história: a renúncia do papa e morte de Chávez, em relação a geopolítica latinoamericana. Queria que você comentasse essas duas situações.
FG – A morte do Chávez tem um papel muito importante na América atina. A renúncia do papa acabou tendo uma importância muito grande para a América Latina. Ambos os casos, se você quiser uma relação entre eles, ambos os casos revelam uma importância crescente da América Latina. No caso do Chávez eu estive lá e reconheço que há uma grande ligação popular com o Chávez, mas simultaneamente eu reconheço que o Chávez estava destruindo a economia venezuelana. Ela estava num processo de destruição que só não se acentua porque os recursos do petróleo estão aí e ele usa os recursos do petróleo para isso. Mas o que eu acho é que o modelo na Venezuela não é sustentável com a morte do Chávez, porque, em primeiro lugar, o modelo econômico também não é sustentável. Em Cuba o modelo econômico não é sustentável. Mas a recolução se colocou de uma maneira tal que ela consegue manter simpatizantes e aderentes independente da miséria que eles vivem. Eu acho que o Chávez talvez conseguisse isso, mas grande parte do prestígio dele depende do dinheiro. Ele utilizou os recursos materiais também como aumento do seu prestígio. Então eu acho que a morte do Chávez e a ascenção do Francisco como papa significa um momento na América Latina em que nós caminhamos com uma visão melhor do continente e pra ênfase daqueles países democráticos que também garantem a importância do continente, como Chile, Peru, que tem crescido muito, o México. Enfim, ao lado da América Latina, que não é necessariamente bolivarista, que tem crescido economicamente e tem um papel também muito importante. Eu acho que a morte do Chávez e a ascenção do Francisco contribuem para esse setor crescente da Am´rica Latina em contraposiçõ ao setor bolivarista que no meu entender pode perder um pouco a força.