Começa julgamento de ditadores da América Latina por Plano Condor
5 de março de 2013 - 14:44
Processo tentará provar articulação repressiva entre governos de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai
O julgamento que investigará os crimes cometidos nos anos 1970 e 1980 pelo chamado Plano Condor, de coordenação repressiva dos regimes militares do Cone Sul, começou nesta terça-feira em Buenos Aires (Argentina). O ex-ditador argentino Jorge Videla é o principal acusado. “Trata-se do primeiro julgamento que investigará globalmente o Plano Condor e entendo que é o primeiro em seu tipo na América Latina”, analisou uma das advogadas do processo, Carolina Varsky. Ela representa vítimas argentinas e uruguaias. Outros 15 denunciados no caso do Plano Condor morreram antes do começo do julgamento.
O Plano Condor foi um processo de coordenação de ações repressivas das ditaduras de Chile, Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia, que esteve em andamento entre meados das décadas de 1970 e 1980. Varsky informou que no caso estão mencionadas uma centena de vítimas de nacionalidade uruguaia, chilena, paraguaia e argentina. Há suspeitas de que o ex-presidente João Goulart, deposto pelo regime no Brasil, teria sido vítima de envenenamento em operação das ditaduras da América Latina.
Videla (que governou de 1976 a 1981), de 87 anos, sentará novamente no banco dos réus (já tem duas condenações à prisão perpétua) junto a outros 25 acusados, entre eles o ex-ditador argentino Reynaldo Bignone e seu compatriota, o ex-general Luciano Benjamín Menéndez (sete perpétuas), ambos de 85 anos. O caso chega à julgamento oral após 14 anos durante os quais a justiça havia pedido as extradições dos falecidos ex-ditadores Alfredo Stroessner, do Paraguai, e Augusto Pinochet, do Chile.
O único estrangeiro que enfrentará os três magistrados do Tribunal Oral será Manuel Cordero, um ex-coronel e agente de inteligência do Exército uruguaio. Cordero encontra-se detido em Buenos Aires e foi acusado por 11 casos, entre eles o desaparecimento de María Claudia García de Gelman, nora do poeta argentino Juan Gelman.
Todos são processados por ter integrado uma associação ilícita dedicada ao extermínio dos opositores políticos.
“Estou convencido da existência do Plano Condor e o demonstram, sobretudo, as ações dos próprios envolvidos que demonstram que existiu uma associação ilícita para levar as pessoas de um país a outro”, disse o promotor do caso, Miguel Angel Osorio.
“O que devemos provar agora é a existência de uma associação ilícita entre as ditaduras de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai para perseguir e eliminar opositores em qualquer destes países, com o apoio do governo dos Estados Unidos”, analisou Varsky. “Para a prova – continuou – contamos com os testemunhos de sobreviventes e com muita documentação, entre ela papéis desclassificados dos Estados Unidos que comprometem Washington”, explicou.
Devido a estes documentos, o juiz federal argentino Rodolfo Canicoba Corral havia enviado em agosto uma carta precatória ao departamento de Justiça dos Estados Unidos para interrogar Henry Kissinger, ex-secretário de Estado entre 1973 e 1977, mas não obteve resposta. A advogada do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS) também destacou a ajuda que significou para o caso dos chamados “Arquivos do terror”, encontrados pelo advogado paraguaio Martín Almada em uma delegacia de polícia em Assunção.
Segundo Almada, um militante dos direitos humanos, o Plano Condor foi apresentado pela primeira vez no fim de 1975 pelo FBI (Escritório Federal de Investigações dos Estados Unidos), que prestou sua colaboração para levá-lo adiante. “Entendemos que será um julgamento muito longo porque há muitas testemunhas e muita documentação para analisar”, disse Varsky, ao lembrar que apenas no Paraguai foram encontradas cinco toneladas de papéis.
Apesar dos 14 anos de julgamento e das quatro décadas de alguns dos crimes contra a humanidade que são investigados, os familiares das vítimas “estão ansiosos e esperam conseguir justiça”, afirmou a juíza.
O acordo repressivo permitia que integrantes das forças armadas e de segurança dos regimes de fato contassem com informações sobre o movimento dos opositores e entrassem em qualquer dos países para detê-los clandestinamente com apoio local, segundo Varsky. Há dois casos que o CELS representa no caso que mostram o “modus operandi” e que tiveram a cumplicidade dos regimes de Brasil, Uruguai e Argentina.
Um é o dos argentinos Horacio Campiglia e Mónica Susana Pinus de Binstock, que em 1980 foram sequestrados ao chegar ao aeroporto do Rio de Janeiro por agentes da inteligência da Argentina e terminaram em um centro clandestino de detenção de Buenos Aires, onde desapareceram. Outro caso é o de María Claudia García de Gelman, sequestrada aos 19 anos e grávida de sete meses na capital argentina por agentes de inteligência uruguaios e levada a Montevidéu. Na capital uruguaia deu à luz no Hospital Militar e depois desapareceu. A criança, de nome Macarena, foi entregue ilegalmente à família de um policial e recuperou sua identidade em 2000, aos 23 anos.
Entre as vítimas mais notórias do Plano Condor é mencionado o ex-chanceler chileno Orlando Letelier (assassinado em Washington), o general chileno Carlos Prats (assassinado em Buenos Aires) e os políticos uruguaios Zelmar Michelini e Héctor Gutiérrez Ruiz (assassinados na capital argentina). Letelier foi ministro de Salvador Allende e Prats um militar leal ao presidente socialista, deposto em 1973 por Augusto Pinochet. “Há um despacho do FBI (que consta na causa), após o atentado contra Letelier em Washington, onde se confirma a existência do Plano e explica que o objetivo é perseguir opositores e contribuir com os diferentes governos da região em inteligência e logística em qualquer território”, acrescentou o promotor Osorio.
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