“NO CEARÁ NÃO TEM DEMANDA”: invisibilidade de negras e negros
1 de junho de 2012 - 09:28
Zelma Madeira*
Uma das mais recentes conquista (27 de abril de 2012) para as populações etnicamente discriminadas no Brasil foi o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar por unanimidade constitucional a reserva de vagas para negro(a)s e índio(a)s nas instituições de ensino superior. Segundo informações do G1 das 59 universidades federais do país, 36 oferecem algum tipo de ação afirmativa de reserva de vagas no processo seletivo. Destas, 25 têm algum tipo de cota racial para negro(a)s, pardo(a)s e/ou índio(a)s.Cada instituição terá autonomia para adotar ou não as políticas de cotas, o que coloca o desafio presente para o movimento negro, terá que demonstrar a necessidade em cada lugar neste país de reserva de vagas, de que tem a população negra reivindica estar nos espaços acadêmicos.
É bom recordar que Estado brasileiro discriminou a população negra no âmbito educacional quando mediante o Decreto No. 1.331 de 17 de fevereiro de 1854 estabelecia que nas escolas públicas do pais não seriam admitidos escravizados,e a previsão de instrução para adultos negro(a)s dependia da disponibilidade. E o Decreto no. 7.031 – A de 06 de setembro de 1978, estabelecia que negro(a)s só podiam estudar no período noturno, por essas razões se acumulou desvantagens nos aspectos de escolaridades.
A forma de ingresso bem como de permanência do(a)s aluna(o)s são de fundamental importância, o que requer bolsas de iniciação cientifica, tutoria, pesquisas, disciplinas, ampliação do acervo bibliográficos que verse sobre a temática das relações étnico-raciais nas universidades. Vale dizer que no Ceará as universidades públicas (UFC, UECE, UVA, URCA, IFCE) não contam com políticas de reserva de vagas para negro(a)s, há um silenciamento deste debate no interior dessas instituições.Mas do que silenciamento, para surpresa de quem acompanha e estuda os contornos das desigualdades raciais neste Estado, a UFC anunciou que “Não existe política de cotas raciais ou sociais para ingresso na UFC, por falta de demanda da sociedade cearense”. Vale então lembrar que em 2006 essa universidade criou um Grupo de trabalho para elaborar um projeto de políticas de ação afirmativa para reserva de vaga para aluno(a)s provenientes de escolas públicas, aluno(a)s negro(a)s e indígenas, e com deficiências, mas a despeito do árduo trabalho de seus membros não conseguiu aprovação no Conselho Universitário, numa votação de 19 votos contra e 04 a favor, e os argumentos foram de que o tema das políticas de ação afirmativas, das cotas, era algo polêmico e que deveria ser fruto de mais debate, ou seja, não ter reserva de vagas para negro(a)s não se justifica pela explicação de que não há demanda, ela existe e foi explicitada desde aquele ano.Tal fato nos faz crer na proliferação perversa discurso ideológico de que no Ceará não têm negros e negras, se inexistem não há motivos para se preocupar em solucionar problemas de desigualdades raciais, postos que são irreais.
Segundo o Censo/2010 o Brasil conta com uma população de 190 755 799. A população negra (pretos e pardos) é maioria, nesse conjunto passou de 44,7% da população em 2000 para 50,7%, em 2010, Entre as hipóteses para explicar tal dinâmica, pode-se destacar uma valorização da identidade afrodescendente, contudo vive em condições de vida insatisfatória fomentada pelo racismo. O Ceará conta com 8 452 381 habitantes, sendo 31% de brancos, 2,7% pretos, 66,1% de pardos e 0,2% de indígena. Enquanto a capital Fortaleza conta com 2 452 185, assim distribuídos: 901.816 autoafirmaram cor/raça branca, 110.811 preta, 33.161 amarela, 1.403.292 parda, 3.071 indígena e 34 não declararam.
As estatísticas revelam a presença da população negra no Ceará, podemos desconfiar que parcela destes deseje adentrar as universidades, não somente para apresentações folclorizadas da cultura afro-brasileira como exótica, mas para estudar, pesquisar, produzir conhecimento. Parece que os motivos para não se efetivar as políticas de ação afirmativa para um segmento que contribuiu na consolidação deste país continuam os mesmo da abolição, invisibilidade e visibilidade estereotipada de quem somos, como vivemos e o que queremos. Por esses fatores sou favorável que as universidades publicas do Ceará adotem a reserva de vagas para negro(a)s e indígena .
(*) Profa. Dra. da UECE – Graduação em Serviço social e Mestrado em Serviço Social, Trabalho e Questão social Vice-coordenadora do LABVIDA/UECE e Profa. Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da UFC.