Este trabalho resulta de um recorte da dissertação de mestrado "Das Santas
Almas da Barragem à Caminhada da Seca: projetos de patrimonialização da
memória no Sertão Central cearense (1982 - 2008)", defendida no Programa
de Pós Graduação em História Social da Universidade Federal do Ceará, sob a
orientação do Professor Antonio Gilberto Ramos Nogueira. Esta comunicação
concentra-se nas conjunturas históricas que permearam a trajetória de
constituição das memórias do Campo de Concentração do Patu. O Cemitério
da Barragem, espaço sagrado que abrigou os corpos dos retirantes mortos
pela epidemia do cólera, durante a seca de 1932, tornado desde então local de
culto e devoção a este santo popular, as Santas Almas da Barragem é o ponto
de partida da trajetória dessas memórias. A primeira conjuntura, de cunho
religioso e afetivo, configurada numa prática familiar e silenciosa, decorre
durante os 50 anos que sucedem imediatamente a tragédia, sendo a partir de
1982 apropriada pela Igreja Católica e ressignificada numa romaria
denominada Caminhada da Seca, inciativa do padre italiano Albino Donati,
então vigário de Senador Pompeu. Neste momento, o cemitério e as práticas
devocionais ali realizadas sofrem grandes transformações, amplia-se o grupo
de devotos, acrescentando-se àqueles já tradicionais os novos romeiros vindos
de outras localidades, o que causa aos primeiros certo silenciamento. A
segunda conjuntura, social e política, inicia-se no contexto dos anos 1980, traz
o discurso patrimonial que é apropriado pelos agentes culturais que atuam em
prol da valorização bens culturais remanescentes do Campo de Concentração.
O intuito maior desta luta é a reapropriação social destes bens pela população
local e a oficialização do título de patrimônio cultural. Na terceira conjuntura,
oficial e institucionalizada, em curso nos anos iniciais do século XXI, o Governo
Municipal de Senador Pompeu entra em cena e projeta políticas culturais e
turísticas voltadas a então já tradicional Caminhada da Seca e as edificações
históricas da cidade. Mais uma vez a apropriação das memórias transforma e
ressignifica os acontecimentos do Campo de Concentração e seus sujeitos
históricos. Cada conjuntura enseja diferentes projetos de patrimonialização
face à disputa de memórias que se dá entre os sujeitos históricos que disputam
pelo discurso hegemônico e a afirmação de suas verdades. Nesta trajetória,
interessante notar como as edificações e práticas devocionais, a partir da sua
valorização e ressignificação, vão sendo construídas como aspectos
identitários e culturais da população local. Contudo, contemporaneamente esta
história continua, segue ainda em busca de uma efetiva patrimonialização.