Este trabalho tem como objetivo principal identificar e fazer uma reflexão através do léxico que compõe as fontes oficiais do Ceará Colonial sobre as estratégias de controle social impostas pelo Estado em relação àqueles indivíduos situados à margem da sociedade. Aqueles que punham em risco a ordem social, confrontando as leis e permanecendo à margem da ordem econômica e social da colônia, que frequentemente são apontados como "desclassificados", sobre os quais foram direcionados os olhares vigilantes do Estado. Para estudar as nuances das práticas discursivas que vão delimitar os espaços de cidadania/não-cidadania é importante compreender o peso do léxico construído e as implicações que as denominações "vadio", "vagabundo" e "facínora" traziam. Por léxico, compreende-se todo o universo conceitual de uma língua. Como diz Biderman (2001, p.179), "qualquer sistema léxico é a somatória de toda a experiência acumulada de uma sociedade e do acervo de sua cultura através das idades". Como é um sistema aberto, o léxico de uma língua está continuamente sujeito à reelaboração e expansão resultantes dos usos linguísticos e de mudanças sociais e culturais. O discurso estatal, identificado aqui como discurso jurídico, é hierarquizante e define também os códigos de civilidade que deveriam se tornar hegemônicos, além de legitimar os papéis dos cidadãos em oposição aqueles identificados como não-cidadãos. As leis impunham formas de agir e definiam espaços, sempre tendo em vista que os pobres, e dentre eles os forasteiros, seriam os indivíduos mais propensos ao crime. Vários criminosos viviam de vila em vila fugindo de crimes cometidos em outras paragens. Simplesmente vagabundeando, cometendo novos crimes ou prestando seus "serviços" a quem interessasse. Os vagabundos quer fossem pobres desterrados, quer criminosos foragidos, eram vigiados e contavam com uma legislação bem vasta. Os vadios fugiam à ordem estabelecida, muitos não constituíam famílias nem tinham ocupação ou morada, viviam à margem da sociedade e eram vistos como uma ameaça. Aqui iremos utilizar como corpus principal a cópia da Carta que escreveu "El Rei Nosso Senhor ao Conde de Villa Flor", documento este que foi escrito em 13 de janeiro de 1767, quase um ano depois da carta régia de 22 de julho de 1766, onde nela há indícios de como foram criadas algumas cidades no Ceará, a partir de pessoas identificadas com tais denominações. Foi feita a edição do documento anteriormente citado, e além dele, iremos fazer a confrontação dos termos principais desse artigo, com outros documentos, como os autos de querela e ordenações filipinas. A carga de significados implícita aos termos que são objeto desta pesquisa encontra eco nas construções simbólicas em torno da pobreza e na forma como aqueles que se encontram à margem são percebidos pela sociedade até hoje.