Nesse artigo reflete-se sobre a presentificação e a possibilidade de acesso ao passado por diversas vias, dentre as quais se destaca a memória. A via subjetiva é reconhecida como um dos recursos capazes de ofertar determinado conhecimento sobre o passado (ELMIR, 2010), apesar de certa desconfiança lançada contra os testemunhos em primeira pessoa, representados pela "literatura de testemunho", principalmente daqueles que experimentaram relações traumáticas do tipo vitimas/opressores (SARLO, 2007). A hipótese é que tal desconfiança parte de uma visão que segmenta a memória em uma parte objetiva e outra subjetiva, semelhante também àquela que divide a memória em um aspecto coletivo e outro individual, ambas associadas a um modelo textual de memória (FENTRESS; WICKHAM, 2004). Contudo, se a memória é dos caminhos de acesso e produção de determinado conhecimento sobre o passado, são as narrativas que ordenam o rememorado, posição defendida tanto por historiadores, quanto por filósofos e psicanalistas (DOSSE, 2004; RICOEUR, 2007). Finalmente, se o passado é o lugar doS mortos e o presente é o território dos vivos, a clivagem ocidental entre esses espaços permitiu o surgimento da historiografia e a operação historiográfica acalma os mortos, honrando-os entre os vivos e sepultando-os em túmulos escriturísticos (CERTEAU, 1982), as narrativas individuais, por vezes, constituem igualmente um encontro inevitável com a morte. É o que se conclui a partir dos depoimentos dos "trabalhadores" de BOSI (2004) e pelas narrativas orais dos penitentes da Irmandade de Nossa Senhora.