Sem açúcar e com pouco sal, mas com muito afeto

11 de março de 2015 - 13:29

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Todos os dias eles fazem quase tudo sempre igual. Uns acordam às 4 horas da manhã, outros às 5, pois às 6 da manhã começa o expediente, que encerra às 14h. Este é o cotidiano dos 36 funcionários do Restaurante Universitário da UECE. Na música Cotidiano, de Chico Buarque, tem beijos nas bocas de hortelã e de café, e cala-se com a boca de feijão. Hortelã, café e feijão integram o cardápio do RU. E as bocas, que também beijam e calam, devoram ou apreciam as mais de duas mil refeições servidas no almoço, que sempre dispõe de três opções de mistura, incluindo uma sem glúten e outra vegetariana.

Logo que chegam, os funcionários colocam as botas e toucas de cabelo. Estão prontos para começar os preparativos do cardápio do dia.

Às 6h30, acende-se o fogo. Um dos quatro grande caldeirões, com capacidade para até 300 litros, já está ocupado desde o dia anterior com dobradinha, que, assim, como a feijoada, precisa ser preparada com antecedência. São 65 quilos de dobradinha, mais 15 de linguiça. Nos outros panelões elétricos são colocados 90 quilos de arroz, 55 de feijão com legumes e o último fica reservado para a outra opção de mistura, que será finalizada mais tarde. São 190 quilos de lombo que também foram assados no dia anterior. Serão fatiados e preparados ao molho madeira.

É hora de tomar café. São 7h15. É preciso estar bem alimentado para enfrentar o rojão que logo vai começar e só terminará no início da tarde.

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Às 8h, os seis grandes armários térmicos – que podem aquecer ou refrigerar e são conhecidos como pass through – são ligados para que estejam na temperatura certa quando as dezenas de travessas de mistura, de guarnições, de saladas e de sobremesa estão prontas e mantidas na temperatura certa até às 13h, quando o RU fecha e a última refeição é servida.

Os dois balcões térmicos, que ficam no salão, também precisam ser ligados naquele horário para poder atingir a temperatura de 80 a 90 graus quando as travessas forem lá colocadas, às 10h, quando os funcionários almoçam, pois às 10h30 o RU abre as portas.

Uma equipe de cinco cozinheiros e dois auxiliares prepara a comida. José Filho, que trabalha no RU há mais de 15 anos e mora a dez minutos andando do Campus, é o encarregado da dobradinha de enlouquecer vegetarianos.

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José Filho, cozinheiro, que mora a dez minutos, de caminhada, do Campus

Seu ajudante no preparo da mistura que não contém glúten é Ricardo Araújo Lima, que entrou para o time em novembro, como auxiliar de cozinha. “Aqui tem como dar um passo para frente na vida e passar a ser cozinheiro”, diz.

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Francisco Gomes que já ascendeu à posição de cozinheiro  coloca fatias de lombo no caldeirão já cheio de molho madeira

Na área anexa à cozinha, um time de quatro pessoas higieniza a salada crua. Quarenta e cinco quilos de alface crespa e 20 quilos de cenoura são imersos em uma solução de água sanitária e depois na solução de vinagre, no caso das folhas. Depois de escorridos, aos ingredientes da salada será adicionada uva passa.

Quem integra este time é Antônia Maria de Souza Teles, que afirma trabalhar na UECE há uns 20 anos. Depois de preparar a salada e a sobremesa, que neste dia era laranja, 200 quilos da fruta, ela vai para o salão servir os comensais.

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Dona Antônia conhece bem os gostos dos comensais

Moradora do Conjunto José Walter, dona Antônia diz os alunos sempre pedem um “chorinho” do molho da carne. “Eles dizem: ´Tia, bota mais um molhinho´e sempre querem mais mistura”. Ela conhece os gostos de seus comensais: bife acebolado é o que faz mais sucesso. Ovos à fantasia e fígado são as misturas que menos gostam.

Na parte de trás do RU ficam João Ferreira Gomes Gonçalves e seu assistente, Diego Ferreiro Barreto, lavando todos os utensílios usados na cozinha. Seu João diz que só de RU tem “uns 20 anos”. Morador de Pacatuba, ele tem que acordar às 4h da manhã, para tomar o ônibus de 4h40 e assim poder chegar no Itaperi às 6h.

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Seu João mora na Pacatuba e acorda às 4h para pegar o ônibus das 4h40e poder chegar às 6h no Itaperi

Hambúrger de soja é a opção vegetariana do dia e tem boa aceitação. Quem os frita na chapa, sem um fio de óleo, é Maria das Graças dos Santos, que faz de tudo no RU, como ressalta, dando uma sonora gargalhada. Ela começou a trabalhar na UECE em 1995 e em 2003 foi para o Restaurante.

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Dona Graça vai se aposentar no final do ano e quer ter uma vendinha no Campus

“Gosto mais daqui do que a minha casa”, diz. Sua residência fica em Mondubim. Gosta tanto que em dezembro deste ano ela se aposenta e vai “tentar ter uma vendinha aqui”, complementa, de novo com um largo sorriso.

Óleo é um produto pouco utilizado no RU. É usado somente para fritar peixe, linguiça e empanado, como informa a nutricionista do Restaurante há dois anos, Jéssica Gonçalves, formada em Nutrição pela UECE. Sal também é usado com grande parcimônia no preparo das refeições e nem está presente nas mesas dos comensais. A utilização cuidadosa destes dois ingredientes faz parte do planejamento de um cardápio saudável.

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Francisco Daniel  Bezerra da Silva  coloca o feijão com legumes nas travessas


Às 9h50, as primeiras travessas contendo feijão com legumes já são colocadas nos aquecedores. O movimento no RU é intenso. Lá fora, alunos começam a chegar. Esperam o RU abrir as portas jogando, estudando e, claro, digitando avidamente no celular.

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Às 9h50, as primeiras travessas contendo feijão com legumes já são colocadas nos aquecedores.

Se dona Graça, que faz jus ao nome, pode ser considerada a Miss Simpatia do time, seu Célio é o Mr. Simpatia. José Célio Pereira da Costa trabalha no RU há sete anos, é quem abre o RU às 6h já trazendo os carioquinhas para o café da manhã às 7h.

Até pouco tempo atrás, ele ficava na entrada do Restaurante recebendo, sempre afável e cortês, o pagamento de alunos, professores e servidores, muitos dos quais sequer lhe dirigiam a palavra ou simplesmente um olhar. Hoje, fica na guarita de trás do RU pois ele é responsável pelo controle dos fornecedores, de quem entra e sai por aquele portão, como o caminhão que vem às terças e quintas-feiras, às 9h30, para entregar verduras e legumes.

O RU tem quatro câmara refrigeradas para estocagem de produtos diferenciados: laticínios, hortifrutigranjeiros, congelados e carnes. É para a de hortifruti que a salada vai, às 9h15, depois de preparada, em dez travessas, para não murchar, depois vai para um dos armários térmicos, prontas para irem para o salão do Restaurante.

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Wallyson Albuquerque dirige o carrinho contendo dez travessas de saladas para ser estocada na câmara refrigerada

Ao contrário das outras três, a câmara frigorífica tem duas entradas. A porta dos fundos dá para a sala onde ficam Sérgio Alves de Castro, e seu novo assistente, que ele mesmo treinou, há cerca de um ano, Expedito Vieira de Souza. Serginho, como é chamado, cresceu vendo seu pai matar boi, carneiro, bode, pois seu pai tinha que alimentar uma família grande, e trabalha como magarefe no RU há 12 anos.

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Serginho e seu aprendiz, Expedito, são os magarefes do RU

Na parte onde os comensais colocam as bandejas e os talheres, depois da refeição, ficam Francisco Roberto Pereira da Silva, Ribarmar Antônio da Silva e Paulo Eliardo, todos três com dois anos de RU, e Francisco de Assis Raquel Lima, na UECE há 15 anos e sete no Restaurante – além de Verônica Celestino Cavalcante, que faltou no dia reportagem. São eles que higienizam as centenas de bandejas e talheres em máquinas que chegam a atingir temperaturas entre 55 a 65 graus para lavar e equipamentos para enxaguar que precisam estar entre 80 a 90 graus.

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Equipe responsável pela higienização das bandejas e talheres

Com tudo pronto, mais uma atividade que requer espírito de equipe: preparar 50 quentinhas, de acordo com os pedidos individuais, feitos impreterivelmente até às 9h, do pessoal encarregado da segurança do campus, do Departamento Pessoal e da Reitoria.

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RU prepara diariamente 50 quentinhas

Por volta das 10h, a comida é colocada nos dois balcões térmicos no salão do RU, que agora já atingiram a temperatura certa. É hora de os funcionários almoçarem.

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Antes de abrir os portões, funcionários almoçam pouco depois das 10h

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Por volta das 9h50, alunos já começam a chegar ao RU

Às 10h30, as portas do RU são abertas. Às 11h, o movimento começa a ficar cada vez mais intenso e vai continuar em um crescendo até pouco depois do meio-dia.

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Os primeiros comensais logo depois que os portões são abertos

É também às 12h que entram os cinco integrantes da turma da noite: um cozinheiro, um caixa, um auxiliar, um copeiro e um almoxarife. Eles preparam e servem em torno de 500 poções de sopa, das 18h às 19h. O expediente deles termina às 20h.

Apesar de tudo ser planejado, há sempre imprevistos, como um equipamento que quebra, um funcionário que não foi trabalhar, uma entrega que não foi feita. Se algo sai fora do que foi planejado, a nutricionista Jéssica tem que sempre recorrer para o Plano B. “Tem que ter muita criatividade”, resume.

É por este motivo que a dedicada equipe de 36 funcionários do RU nem sempre faz tudo sempre igual, ao contrário da moça da música de Chico.

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